Comemora-se a 17 de Junho deste ano de 1922, o centenário da travessia aérea Lisboa/Rio de Janeiro, um feito valoroso que inscreveu com letras de oiro a corajosa aventura de dois tripulantes portugueses: Gago Coutinho e Sacadura Cabral.
O feito elevou a auto estima nacional e teve grande impacto internacional, porque era o tempo dos primeiros desafios da navegação aérea no mundo.
A travessia oceânica histórica, conseguida com heroicidade e a utilização de dados científicos pioneiros, durou mais de três meses, com sessenta horas de voo efectivo, uma dezena de etapas, custos astronómicos, acidentes e muitas peripécias.
A utilização do sextante – um instrumento da criação dos marinheiros portugueses das descobertas – adaptado por Gago Coutinho às turbulências aéreas com um horizonte artificial de bolha de ar, serviu durante muitos anos a navegação, permitindo a autonomia e orientação dos voos.
Não cabe no momento alongar a narrativa dessa viagem.
Antes, evidenciar o contributo dum graciosense, Manuel Ortins de Bettencourt.
Indigitado para coadjuvar a realização da longa travessia pioneira, acompanhou Sacadura Cabral à Inglaterra durante a construção do avião de missão, com o desígnio de conjuntamente o treinarem e reunir planos de acção concertada nos demais preparativos da viagem, que incluía uma outra experimental, entre Lisboa e Funchal.
Esta, foi concretizada com sucesso na primavera de 1921, com quatro pessoas a bordo, dos quais dois pilotos, sendo Ortins de Bettencourt o responsável pela maior parte do voo, inclusivamente da amaragem na baía Madeirense.
Dois meses antes da projectada viagem ao Brasil, a opção apontou para Sacadura como único piloto, ampliando assim o espaço na aeronave para a feitura de mapas manualmente pelo geógrafo navegador, Gago Coutinho.
Tal decisão afastou o graciosense dessa longa viagem inaugural, não lhe dispensando outras futuras responsabilidades.
Manuel Ortins de Bettencourt nasceu em 12 de Julho de 1892, na freguesia da Luz da ilha Graciosa, varanda privilegiada para olhar o horizonte e estimular nele o sonho de alcançar mundos para lá do imenso azul insular.
O menino tinha fome de grandeza que a ilha pequena negava.
Determinado, pede bênçãos paternais e parte para Angra onde faz a 4ª classe. Nem o desamparo dos ausentes mimos da casa nem as “pedras” que encontrou na caminhada o demoveu do ambicioso rumo de vencer na vida. E se a gesta portuguesa teve registos de desassombrada dimensão para dar novos mundos ao mundo, vencido adamastores, ventos e maresias, ele também o conseguiria alcançar.
Com tenacidade, esforço e dedicação, prossegue estudos académicos.
Ingressa na Marinha, onde frequenta a escola Naval, subindo progressivamente os patamares da hierarquia militar até ao topo.
Ao tempo, é na Marinha que se agrega a formação de pilotos aéreos.
O destemido graciosense lança-se nessa missão vanguardista, fazendo preparação técnica na Florida, EUA.
Alcança o brevet de piloto aviador naval.
Tal qualificação permite a aproximação das elites que trabalham ambiciosos projectos, como aquele apresentado ao Ministro da Marinha portuguesa, com vista ao estreitamento das relações bilaterais e comerciais entre Portugal e Brasil.
Ortins de Bettencourt foi Ministro da Marinha entre 1936 -1944, negociando a cedência aos ingleses da base dos Açores. É o segundo Chefe do Estado-Maior General das forças armadas portuguesas (de 1951 a 1955). A ele se deve a reorganização da defesa nacional pós 2ª guerra mundial e a formalização da adesão de Portugal à Nato.
A partida da ilha berço foi irreversível e definitiva, embora tenham acontecido pontuais visitas, particulares ou oficiais à Graciosa.
Até à sua morte em 1969, o Vice-almirante presta relevantes e prestigiados serviços de âmbito militar e civil em Portugal e no estrangeiro, recebendo reconhecimento com várias condecorações nacionais e internacionais.
Graciosa, 14 de Junho de 2022