Preservando o futuro do nosso passado.
De 18 a 20 de abril último, aconteceu em Florianópolis, no Estado de Santa Catarina, sul do Brasil, o Congresso Internacional dos 270 anos de Presença Açoriana em Santa Catarina. Diversas autoridades de ambos os países prestigiaram o evento, destacando-se o Presidente do Governo Regional dos Açores, Vasco Cordeiro, os presidentes de câmara das cidades-irmãs de Florianópolis, José Manuel Bolieiro – Ponta Delgada, José Manuel do Álamo de Meneses – Angra do Heroísmo e Tibério Manual Farias Dinis – Praia da Vitória. Do além mar, marcaram presença o Governador do Estado de Santa Catariana, Eduardo Pinho Moreira , o Prefeito de Florianópolis, Gean Loureiro, entre outros. Capitaneado pelo Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina e Academia Catarinense de Letras, o evento contou com intervenções de membros da Academia de Ciências de Lisboa e da Academia Catarinense de Letras, escritores, doutores e pesquisadores de institutos e universidades, dentre elas Universidade dos Açores, Salamanca, Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, além de grupos de comunicação portugueses e brasileiros.
Neste cenário de Titãs, como mera personagem, constatei que a simbiose entre Açores e Florianópolis é soberana e resistirá muito mais do que 270 anos, quer por coletivos de música, quer por publicações e obras literárias, quer pelos curiosos registros disponíveis, pela deliciosa gastronomia ilhéu ou tombamentos de rituais seculares como a festa do Divino. Tudo o que continua a fazer parte da vida simples e cotidiana dos “manezinhos”, como são chamados os Açorianos em Florianópolis, merece sincera consideração. Mar, história, patrimônio, literatura e identidade são aspectos que nos unem para muito além dos laços de família. Neste sentido, o congresso teve como missão fomentar o conhecimento, reavivar e preservar as tradições e fortalecer as sinergias entre Açores e Florianópolis, carinhosamente apelidada de 10ª. ilha do arquipélago. Na ocasião, protocolos importantes foram firmados com o objetivo de estreitamento de relações, desenvolvimento econômico e cultural e proteção dos patrimônios material e imaterial. Avanços concretos já foram alcançados, como é o caso da cooperação do governo de Ponta Delgada na viagem inaugural transatlântica do veleiro laboratório da UFSC, para promoção estudos conjuntos do meio em percurso inverso ao que fizeram navegadores aventureiros. Das diversas intenções apresentadas, destaca-se a criação do portal digital de notícias “Açorianópolis” que, por meio de crowdsourcing bilaterial, reunirá conteúdos de forma viva e sem fronteiras ao legado existente e, sobretudo, evidenciará a atualidade e as inovações do século XXI. Como filha de imigrante açoriano, assisti emocionada aos relatos sobre nossos antepassados. Escutei de olhos bem fechados algumas reflexões poéticas sobre aquilo que no fundo foi sempre navegar ou naufragar. Bravos! Não há outra expressão que caracterize melhor a saga além-mar destes heróis automotivados, verdadeiras fortalezas em forma de ser humano, que se nota até hoje: é gente de fé, de fibra, de família, alegre e criativa, que acredita em seus próprios sonhos e vence por eles.
(Igreja NS da Lapa.Ribeirão da Ilha)
Desde 1748, quando chegaram os primeiros desbravadores açorianos ao Brasil para a fundação da Porto Alegre dos Casais, atualmente Porto Alegre, ondas sucessivas de imigração acompanharam o movimento do mar e fincaram suas bandeiras na costa brasileira, de Pernambuco ao Prata, para garantir as conquistas portuguesas. Hoje, não se trata mais de garantir terras, capitanias ou freguesias, mas sim a integridade de nosso DNA, de nossa dignidade e do sentimento genuíno que nos circunda, assim como o mar. É o que atesta o casal Marcelo e Andrea Amorim, moradores há 15 anos do bairro de Santo Antonio de Lisboa, de fundação açoriana: “a atmosfera pescadora e empreendedora sobrevive em harmonia, charmosa e pulsante. São muitas as famílias que orgulhosamente ‘tocam o barco’ da cultura açoriana até os dias de hoje”. Acredito que para todos aqueles como eu, que se consideram filhos da “diáspora”, o congresso reatou com precisão um elo perdido, ajudou a esclarecer uma história que os parentes contam de forma fragmentada e por vezes romanceada. É como quem põe a última peça para completar o quebra cabeças e sente a satisfação de vê-lo pronto para ser emoldurado na galeria lamuriosa do coração brasileiro-açoriano. A origem híbrida de brasileiros com sangue açoriano vem sempre acompanhada de um quê de nostalgia, de saudade, de uma luta que nos soa marcante, ainda que jamais vivida pelas novas gerações. Do passado conhecemos alguns registros e o que resistiu no boca a boca. Do presente é preciso cuidar e engrandecer os vínculos. Já do futuro, graças a iniciativas como a deste congresso, surge a calmaria de que nossas raízes serão preservadas, frutificadas e o orgulho de pertencer à comunidade açoriana pelo mar afora será sempre cultivado.
( Congressistas visitam Santo António de Lisboa)
Por Marisa Furtado – Jornalista, gastrônoma de família Açoriana da Ilha de São Miguel.
Nota: texto originalmente publicado no Diário dos Açores,abril 2018.