Última crônica
Festejo mais esta manhã em que tomo o primeiro café com o leitor, como acontece neste “Diário” há 28 anos. Será o último.
Manhã perfeita para agradecer a esta senhora, a crônica, gênero fugaz pela própria natureza, mas que tem o berço dos quinhentistas portugueses, como Diogo do Couto e Pero Vaz de Caminha. Senhora que passa por Machado de Assis, Lima Barreto, Drummond, o velho Braga e Fernando Sabino – dois dos mais emblemáticos mestres dessa arte. Sabino orgulhava-se de sua linhagem e defendia a descontraída senhora, que tanto pode ter a brevidade da história curta, como freqüentar os mistérios do conto ou, modernamente, assumir exortações indignadas, contra nosso duro cotidiano de política não-civilizada.
Mas, o que é mesmo a crônica? Um texto que deve ser curto, leve e solto, e que Sabino comparou com as doenças efêmeras – “se não é aguda, é crônica”…
Trata-se, sem dúvida, de um texto “benigno”. Sempre comparei a crônica a um guarda-sol, espécie de oásis onde o leitor se abriga da inclemência do noticiário. Uma pausa para o beduíno beber aquela água fresquinha, escapando da tempestade de areia.
A crônica de jornal, últimamente, precisa ter essa peculiaridade: estar sempre pendurada na janela dos acontecimentos, partilhar com o leitor o “momento” desse “rapaz sem juízo”, o Brasil.
Na verdade, jornalismo e literatura não se estranham tanto quanto sugere a crítica. São fortemente complementares – e uma das melhores definições de jornalismo que conheço é a de Alberto Dines, segundo a qual “jornalismo é a literatura sob pressão”.
Ao que eu acrescentaria: “ E a crônica, é a literatura com pressa”.
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Drummond, que além de cronista era o poeta que era, certa vez pediu desculpas a um leitor que o acusara de ser “frívolo”:
– É preciso que, em meio a tantos desastres, se tenha certa prática para duas conchinhas na praia, um colibri sugando o pólen, o rebolado de uma corista, um verso que não seja épico, uma citação que não seja pedante…
Um bate-papo simples com o leitor, sobre a vida e o nada.
Deixo aqui minhas desculpas por não ser um Drummond, ou o velho Braga, mas tenho ciência de que nunca desrespeitei essa idosa senhora, a crônica de jornal.
Há 28 anos assinava a coluna de crônicas do Diário Catarinense.