"Carnaval!" by Victor Rui Dores
Translated into English by Katharine F. Baker
Originally published 25 February 2019
at www.rtp.pt/acores/graciosa-online/carnaval_60521
Carnaval, a pagan festival par excellence, is our way of renouncing the banality of daily existence and the pettiness of our little lives. And for this very reason, there is in the Carnaval festival a cathartic dimension that in current times captures the frustrations of our history, the anxieties of our present, and the anguish of our uncertain future.
It’s a time to exorcise memory. That’s why during Carnaval we don’t don masks. Quite to the contrary: we reveal ourselves, doff the mask and let it fall where it may.
We look around us and see how the world is indeed marked by fears and threats, desires and renunciations, conflicts and crises of various magnitudes. Well, during Carnaval people forget, and wind up forgetting all about it, even though shame has always inhibited some of our actions. And this is due in part to the burden of religion, since nine centuries of Christian doctrine still weigh on our shoulders.
We Azoreans have an almost innate tendency to be introverts, turned inward and somewhat distrustful of everything that comes from the outside. Our insularity, coupled with a religiosity born in the holy terror of earthquakes and volcanoes, contributed to islanders becoming meek, resigned and patient beings. Well, Carnaval is a good excuse to break away from all this.
Etymologically, Carnaval derives from the Latin “carne vale,” which translates as “goodbye to meat.” This means that before saying farewell to life’s pleasures, and before Lent – a time of fasting, penance, and abstinence – one must seize the moment during these scarce but glorious days when everything is tolerated and permitted.
So let the Carnaval excitement begin! With its hustle and bustle, the mockery, spirit, grace, pranks, jokes!
Come, girls and boys dressed as blinking dominoes!
Come, Pierrots and Harlequins dressed in black and white satin, with their fans and bouquets. And laughing clowns, with their delirium of somersaults and slapstick! And queens, princes, rabbits, old ladies, dolls, Vikings, ballerinas, knaves, Cinderellas, knights, cowboys, Arabs, Cleopatras, hippies, Spaniards, Supermen, Zorros, pirates, and every cartoon super-hero.
Bring on the classic sword dances, tambourine dances, and Terceira’s one-act comedic bailinhos. The “battles of the limes” (wax waterball fights) on São Miguel. Masked balls on Santa Maria. Dancing around beribboned poles on Faial. Assaults on personal peace and quiet on Pico. Shrovetide dances on São Jorge. Bow dances on Flores and Corvo. Lively ballroom dancing of Graciosa. And all the dancing, costume contests and street parades on every island!
Carnaval is in the social halls and on the streets. With animation, conviviality, joy – and, above all, with great creativity.
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“Carnaval!” de Victor Rui Dores
25 Fev 2019, www.rtp.pt/acores/graciosa-online/carnaval_60521
O Carnaval, festa pagã por excelência, é a nossa forma de renunciar à banalidade do quotidiano e à mesquinhez da nossa vidinha… E, por isso mesmo, há na festa carnavalesca uma dimensão catártica que, nos tempos que correm, se prende com o drama das nossas frustrações históricas, as inquietações do nosso presente e a angústia do nosso futuro incerto.
É tempo de exorcizar a memória. Por isso no Carnaval não nos mascaramos, bem pelo contrário: desmascaramo-nos, tiramos a máscara, deixamo-la cair.
Olhamos à nossa volta e vemos que o mundo está efectivamente marcado por medos e ameaças, desejos e renúncias, conflitos e crises de vária ordem. Ora, durante o Carnaval a gente esquece e faz por esquecer tudo isto. Até porque a vergonha sempre tolheu em nós a ação. E isto, em parte, devido ao peso da religião, pois que nove séculos de doutrina cristã ainda nos pesa nos ombros.
Nós, açorianos, temos uma tendência quase inata para sermos introvertidos, virados para dentro de nós próprios e um pouco desconfiados em relação a tudo o que vem de fora. A nossa insularidade, aliada a uma religiosidade gerada no terror sagrado de sismos e vulcões, contribuíram para que o ilhéu se tornasse um ser manso, resignado e paciente. Ora, o Carnaval é um bom pretexto para romper com tudo isto.
Etimologicamente Carnaval, do latim “carne vale”, quer dizer “adeus à carne”. Isto significa que antes de dizer adeus aos prazeres da vida e antes que venha a Quaresma – tempo de jejum, penitência e abstinência – é preciso aproveitar a galhofa destes escassos mas gloriosos dias, durante os quais tudo é tolerado e permitido.
Venha, pois, a animação carnavalesca! Venha o bulício, a algazarra, a troça, o espírito, a graça, a pilhéria, a chacota!
Venham meninas e meninos vestidos de dominós de renda lampejante!
E venham pierrots e arlequins vestidos de cetim preto e branco, com seus leques e ramalhetes. E venham os palhaços ridentes e patuscos, no delírio da cambalhota e na palmada certeira! E venham as rainhas, os príncipes, os coelhos, as damas antigas, as bonecas, os vikings, as bailarinas, os valetes, as gatas borralheiras, os cavaleiros, os cow boys, os árabes, a cleópatras, os hippies, as sevilhanas, os super-homens, os zorros, os piratas e todos os heróis de banda desenhada.
Venham as danças de espada, as danças de pandeiro e os bailinhos na ilha Terceira. Venha a batalha das limas na ilha de São Miguel. Venham os bailes de máscaras em Santa Maria. Venham as danças de cadarços na ilha do Faial. Venham os assaltos privados na ilha do Pico. Venham as danças de entrudo de São Jorge. Venham as danças de arcos das Flores e do Corvo. Venham os animadíssimos bailes de salão da Graciosa. E venham todos os bailes de todas as ilhas, os concursos de fantasias de todas as ilhas, os desfiles de rua em todas as ilhas!
O Carnaval está no salão e está na rua. Com animação, convívio, alegria e, acima de tudo, muita criatividade.