Quando vi televisão pela primeira vez foi logo para assistir à chegada do primeiro homem à Lua.
Graças ao engenho técnico do sr. Ramos (que do alto do Monte da Ajuda, na vila de Santa Cruz da ilha Graciosa, sintonizava a “Base dos Americanos” e as Canárias), vi, a preto e branco, aquelas imagens irreais e etéreas: Neil Armstrong a sair do módulo lunar da Apolo XI, descendo por uma escada, a inscrever a marca da bota esquerda sobre a superfície lunar, e a pronunciar a frase que ficaria célebre: “Um pequeno passo para um homem, um salto gigantesco para a Humanidade”.
O astronauta (após espetar, no solo lunar, a estaca com a bandeira norte-americana) parecia-me uma criança em dia de festa, caminhando aos saltos, naquele mar de tranquilidade.
Estava eu longe de imaginar que aquele dia, 20 de Julho de 1969, assinalava a concretização de uma quimera e de um velho sonho de séculos. Nem pensava sequer que, naquele momento, pelo menos 600 milhões de pessoas em todo o mundo seguiam, com o coração nas mãos, os movimentos de Neil Armstrong, Edwin Aldrin e Mike Collins.
Ali, numa das casas de veraneio do Monte da Ajuda, sentados no chão, nós assistíamos, atentos e incrédulos, àquele acontecimento universal.
De resto o Monte da Ajuda sempre fora um local de iniciação, por excelência. Era lá que, às escondidas, trocávamos os primeiros beijos e fumávamos os primeiros cigarros… Era lá que punhetávamos as urgências do desejo… Nas noites quentes de lua cheia, íamos para lá namorar. Contemplávamos a vila e escutávamos o mar e o canto das cagarras. Volta e meia cantávamos uma canção brasileira, então muito em voga:
Lua, ó lua, querem-te passar p´ra trás
Lua, ó lua, querem-te roubar a paz
Lua que no céu flutua
Lua que nos dá luar
Lua, ó lua, não deixa ninguém te pisar.
Mas agora a Lua era pisada pela primeira vez e, no pequeno écran, surgia-nos despida de véus românticos. O pior era quando a imagem saltava e se transformava em arreliadora “chuva”, o que causava o desagrado e o descontentamento da assistência… Mas lá estava o sr. Ramos, com laboriosos cálculos e gestos precisos e preciosos, a rodar a enorme antena, direccionando-a para a linha do horizonte. E os aplausos rompiam quando, por momentos fugazes, a imagem ficava nítida…
Duas décadas antes do aparecimento da televisão nos Açores, aquele era um tempo de experimentações e de experimentalismos… E o sr. Ramos, qual outro professor Pardal da banda desenhada, tipificava isso mesmo.
O Arcelindo, nobre vagabundo, é que não acreditava na alunagem e ia resmungando:
-Qual lua, qual carapuça! Aquilo é tudo mentira dos americanos!
-Vê se te calas, Arcelindo! – dizia, com benevolência, o sr. Ramos.
Estávamos a ver a Lua em directo, a 384.405 km do nosso planeta. Eu assistia, sem saber, a uma das maiores realizações da humanidade, a partir do Monte da Ajuda.
Da Lua eu sabia apenas os nomes das suas fases que o professor Louro nos ensinara na escola: Lua Cheia, Quarto Minguante, Lua Nova, Quarto Crescente.
Meu pai possuía toda a colecção dos livros de Júlio Verne, autor que ele me incitava a ler. O título de uma dessas obras era precisamente Da Terra à Lua (escrito em 1865) e que havia despertado em mim alguma curiosidade. Não o li até ao fim porque, entretanto, enveredara pela Viagem ao Centro da Terra, cuja leitura se me tornara mais apetecível, pois imaginava-me a descer à Furna do Enxofre da minha Graciosa ilha. E, deste modo, percebi muito melhor o que estava a ler.
Naquele tempo eu desconhecia que o espaço estava a ser disputado pela União Soviética e pelos Estados Unidos da América. Eu sabia o que era a América porque era de lá que vinham as encomendas bem perfumadas que a minha tia Alda enviava a partir de Lowell. Mas desconhecia de todo a realidade da União Soviética. O sr. Ramos é que nos explicou que o sucesso da missão Apolo XI era o culminar de todo um trabalho que havia sido iniciado pelos russos. E falou da cadela Laika que viajara a bordo da nave espacial “Sputnik” e do astronauta soviético Yuri Gagarin, o primeiro homem a ser lançado no espaço…
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Passaram-se 50 anos. E a Lua continua a atrair a atenção do homem, mas já não é assunto para a poesia e muito menos para a ficção científica. (Recorde-se que o francês George Meliés, pioneiro do cinema, ao rodar, em 1902, o filme “Le voyage dans la Lune”, já demonstrara que não eram muito precisas as fronteiras entre o real e a ficção).
Nos dias que correm, a NASA (National Aeronautics and Space Administration) prevê instalar bases permanentes na Lua. E, num futuro próximo, serão efectuadas viagens turísticas àquele astro.
No dia em que o homem chegou à Lua, eu estava no Monte da Ajuda a ver televisão pela primeira vez.
A caixa mágica dos sonhos que mudou o mundo, mudou também a minha vida.