Saltar para o conteúdo
    • Notícias
    • Desporto
    • Televisão
    • Rádio
    • RTP Play
    • RTP Palco
    • Zigzag Play
    • RTP Ensina
    • RTP Arquivos
RTP Açores
  • Informação
  • Legislativas 2025
  • Antena 1 Açores
  • Desporto
  • Programação
  • + RTP Açores
    Contactos

NO AR
Este conteúdo fez parte do "Blogue Comunidades", que se encontra descontinuado. A publicação é da responsabilidade dos seus autores.
Imagem de Ressonâncias de Espanha na obra de Jorge de Sena- Dora Nunes Gago
Comunidades 25 mai, 2012, 12:26

Ressonâncias de Espanha na obra de Jorge de Sena- Dora Nunes Gago





Ressonâncias de Espanha na obra de Jorge de Sena[1]

     O antagonismo dos portugueses face a Espanha tem atravessado séculos, espelhando um ressentimento histórico. Efectivamente, apesar de toda a herança cultural e étnica comum, o país vizinho tem sido configurado como ameaça à autonomia e independência nacionais. Todavia, paralelamente a este sentimento de desconfiança, surge-nos a admiração e o reconhecimento das qualidades de Espanha, pela pena de alguns escritores portugueses, como é o caso de Jorge de Sena, escritor açor-descendente.
     Nesta esteira, a Espanha assume uma presença relevante na  obra deste autor, cuja imagem é configurada através de múltiplos vectores, que no presente trabalho, restringiremos ao corpus seleccionado: Diários e Poesia (alguns poemas de Exorcismo, Conheço os Sal, Quarenta Anos de Servidão). Abordaremos, seguidamente, as imagens do país vizinho, filtradas pelo olhar seniano, contemplando precisamente a sua perspectiva acerca das cidades, da cultura, da Guerra Civil e do povo.
     É em Diários, livro editado postumamente em 2004, por D. Mécia de Sena, que encontramos algumas das impressões delineadas por Sena, aquando das suas andanças por Espanha, outras são-nos fornecidas através de poemas dispersos por várias coletâneas.
     Sucintamente, podemos referir que as incursões do autor por Espanha se situam nas seguintes datas: entre 12 a 17 de outubro de 1954; em 1968, desde o dia 6 de setembro até 22 de dezembro. Posteriormente, regressou a este país em 1972 e 1973.
     Madrid é uma cidade muito admirada, visitada e percorrida, referida em Diários, com registos datados de 13 de outubro de 1954, e a 21 de dezembro de 1968. O visitante compara-a inicialmente com Londres: “Cheguei a Madrid às 8 horas e meti-me no metropolitano para a Gran Via, logo a matar saudades de Londres, de que o movimento, a atmosfera matutina, a escala das construções um pouco fin de siècle me deram uma cruciante saudade.” (Sena, 2004:163).
     A descrição dos percursos pela capital espanhola, nomeadamente as visitas ao Museu do Prado, denotam um profundo interesse e devoção pela arte em geral. Nele, o viajante salienta a magnificência de Bosch, dos italianos, dos flamengos e das esculturas helenísticas, com o intuito de acentuar a importância que confere a Greco: “Mas o grande, verdadeiramente grande, é o Greco, apesar de uma fluidez de passo de dança que faz ter saudades dos italianos primitivos. O Prado, porém, é realmente esmagador, excessivo – para conviver muito tempo com aquela gente toda, demasiado grande para suportar-se toda junta em tal quantidade.” (2004:164).
     Toledo é outra cidade visitada e descrita, sendo destacado o clássico panorama: “as portas ilustres San Juan de los Reys, as duas sinagogas, a casa de Simon Levy (dita de Greco) e o Enterro do Conde de Orgaz.” (2004:164), enquanto o autor procura, na catedral, vestígios de Portugal, da “pátria madrasta”, da qual se exilaria, voluntariamente, alguns anos depois.
     O sentimento que esta cidade estrangeira desperta no sujeito de enunciação é, sobretudo, de “estranhamento”, de desintegração, como se uma espécie de abismo o separasse da sua cultura de origem. Deixa transparecer, novamente, a sua admiração pela catedral e pela obra de Greco, sobretudo pelo “Enterro do Conde de Orgaz”, que considera uma autêntica e subtil obra-prima, frisando que: “Toledo é uma estranha cidade, que me impressionou profundamente: sobretudo o ambiente… Mas há, naquilo tudo, de facto, uma estranheza – como se a gente que ali viveu nada tivesse a ver connosco.” (2004:165).
     Em contrapartida, o autor revela o seu fascínio por Salamanca, quando, após ter enumerado os locais visitados,  reconhece: “Tudo me maravilhou, desde os ornamentos góticos coloridos da catedral ao interior da universidade, desde a magnificência subtilmente clássica da Plaza Mayor ao zimbório da catedral velha […] Salamanca é um encantamento”. (2004:167). É aqui, muitos anos depois, em 1971, que escreverá o poema, com o título simbólico “Plaza Mayor de España”, que considera uma das mais belas do mundo (1978: 263). Podemos encontrar nele um certo rasto da guerra oculta sob a evocação de Espanha, aliada à morte, conciliando-se igualmente a descrição de monumentos, com a meditação filosófica da vida para além da morte. “Que português não só de Espanha morre / Mas de morrer-se não sequer conhece/ A morte que de Espanha o sopra e mata?” (1978: 164).
     Além disso, numa passagem diarística datada de 17 de outubro de 1954, salienta-se a sua “filia” face ao país vizinho, destacando-lhe a superioridade relativamente a Portugal:

Eu tinha conhecido a Galiza; e agora conheci Castela. E a Espanha é de uma grandeza, de uma escala que não é de facto a nossa. Há uma majestade, uma segurança de estilo, uma vivacidade altaneira, que estão de longe acima de nós.

     A riqueza monumental de uma paisagem imensa – que maravilhosa é a subida do Guadarrama – e que, apesar de deserta, não é vazia, antes cheia de uma atmosfera de “honor” sombrio como o Greco captou tão bem. Gostei; preciso voltar. Afinal a Europa começa no Caia, apesar de tudo. (2004: 167).
     Deste modo, a Espanha é delineada como um país “europeu”, majestoso, exuberante, cujo desenvolvimento e pujança contrasta com o atraso português, que magoa e entristece o autor.
     Barcelona é outra cidade que atrai a predileção de Sena, como é documentado em Diários, nos registos de uma visita ocorrida a 16/12/ 1968. A admiração sentida evidencia-se nas considerações tecidas acerca da cidade, através da referência aos locais visitados, sublinhando a grandiosidade dos frescos românicos, da pintura e da escultura catalãs. Além disso, destaca a beleza panorâmica desfrutada do alto do Tibidabo,  através de um discurso que deixa transparecer o seu profundo apreço por esta cidade,  evidenciando nitidamente o seu deslumbramento:

Sinto-me outra vez como quando cheguei a Paris, e ainda por cima com os pés à razão de juros (primeira coisa de que cuidarei em Madrid). Mas Barcelona é realmente magnífica, e a parte antiga esplêndida, sobretudo para embeber-me da evocação que pretendo. (2004:253).

     Em suma, através dos registos destas incursões efectuadas em território espanhol, evidencia-se a preferência por algumas cidades, como é o caso de Madrid e de Barcelona (em detrimento, por exemplo, de Toledo, marcada por uma certa “estranheza”), vistas como verdadeiramente europeias, comparadas, respetivamente, a Londres e Paris e consideradas superiores à realidade do país de origem.
     É revelado, a cada passo, o profundo amor do poeta pela Arte (com letra maiúscula, pois engloba todas as artes, desde a pintura à música e ao teatro), que transparece indubitavelmente da sua obra Metamorfoses (incluída em Poesia III), inspirada em diversas obras artísticas. Neste contexto, o poeta recria a dialética da metamorfose, na linha de Ovídio, relacionando explicitamente os poemas com pinturas, esculturas, monumentos, enfim, objectos de que lhe são preexistentes, conferindo-lhes um carácter meditativo.
     Por seu turno, a evocação da Guerra Civil transparece no poema “Memória de Granada” (Poesia I, 1972), iniciado com a descrição de Alhambra e da conquista deste último reino (223). Nele, são referidas personalidades relevantes, começando por S. João da Cruz (a quem são dedicados vários poemas) e terminando com os membros da família real, reveladores do conhecimento detido pelo autor acerca de diversos pormenores da História de Espanha. Por fim, o poema termina com a evocação de Garcia Lorca e da Guerra Civil, sendo inscritos versos pertencentes a Mariana Pineda de Lorca.: “Pingo a pingo/ goteja da montanha o poeta em sangue/-com que trabajo tan grande/ deja la luz a Granada!”.
     Por conseguinte, neste texto, Jorge de Sena revela uma consciência interventiva, de defesa da justiça e condenação das injustiças, evidenciando-se a preocupação com a  Guerra Civil de Espanha e as atrocidades nela cometidas.
     A visão poética de Espanha transparece ainda em muitas epígrafes, frequentemente usadas por Sena nas suas obras, que desempenham a função de comentário, esclarecimento, justificação quer dos títulos, quer dos conteúdos. Essas epígrafes convocam inúmeras vozes, como é o caso de Garcia Lorca (em Exorcismos), António Machado (em Perseguição), evocando igualmente Garcilaso de la Veja, Baltazar Gracián y Morales  e Santa Teresa de Ávila.
     Por último, é pertinente salientar que foram numerosos os estudos consagrados por Sena à literatura espanhola: englobam inúmeras traduções e cerca de 40 artigos e ensaios, abordando autores como Garcilaso, Boscán, Herrera, Góngora, Francisco de la Torre, entre muitos outros, o que corrobora a plena consciência da importância do conhecimento da cultura espanhola, possibilitadora, igualmente, de uma mais profunda compreensão da cultura, História e identidade portuguesas. Nesta sequência, o mais importante é a empenhada reflexão tecida pelo autor acerca da identidade portuguesa e hispânica, da sua cultura e das suas gentes.
     Em suma, na senda do caminho da “lusofília” inaugurado por Miguel de Unamuno em Espanha, na geração de 90, também Jorge de Sena se revelou como autêntico hispanófilo. Com efeito, ultrapassou os resquícios da ancestralidade, patente em sentimentos de indiferença, repulsa ou mesmo inveja, historicamente enraizados no imaginário coletivo português, através do conhecimento, da divulgação e da admiração pela cultura e literatura espanholas. É deste modo que se desenham os mapas poéticos de Espanha, configurados pelas linhas da hispanofilia seniana.

 

Bibliografia:

Fagundes, Francisco Cota (2007): “Jorge de Sena – Discípulo de António Machado? Da
    heterogeneidade do ser e das figurações do outro na poesia seniana”, in Angel
    Marcos de Dios, Aula Ibérica. Actas de los congresos de Évora y Salamanca, Salamanca,
    pp.385-398.
Gago, Dora Nunes (2010): “Olhares de Miguel Torga e de outros escritores portugueses
    sobre a pintura espanhola (Goya e Picasso)”, Hispanic Research Journal, vol. 11, nº 3,
    June, Department of Hispanic Studies, Queen Mary, University of London, Maney
    Publishing, pp. 259-273.
Gago, Dora Nunes (2011)”Sinais de Espanha em Jorge de Sena”, Revista Hispania,
    volume 94, Number 2, June, pp. 273-284.
Lourenço, Jorge Fazenda (2001): O Brilho dos Sinais. Estudos sobre Jorge de Sena, Porto,
    Ed. Caixotim.
Sena, Jorge de. (1978) Poesia I. Lisboa: Moraes Editores, 1978
Sena, Jorge de. (1978). Poesia II. Lisboa: Moraes Editores, 1978
Sena, Jorge de (1978). Poesia III. Lisboa: Moraes Editores, 1978.
Sena, Jorge de (2004). Diários. (ed. De Mécia de Sena)-l. Porto: Ed. Caixotim, 2004
Williams, Frederick (2007):  “Spain as Seen in the Works of Portuguese Writer Jorge
    de Sena: Indifference, Repulsion; Envy, or Admiration?”, in Francisco Cota Fagundes
    and Irene  Maria F. Blayer, Portuguese Traditions: In Honor of Claude L. Hulet , San Jose:
    CA, Portuguese Heritage Publications of California, 2007, 207-221.

  

Dora Nunes Gago é professora de Literatura na Universidade de Macau (China), doutorada em Línguas e Literaturas Românicas Comparadas. Foi leitora do Instituto Camões em Montevideu (Uruguai), professora do ensino secundário e investigadora de pós-doutoramento da FCT na Universidade de Aveiro.Publicou: Planície de Memória (poesia, 1997); Sete Histórias de Gatos (em co-autoria com Arlinda Mártires), 1ªed. 2004, 2ª ed. 2005; A Sul da escrita (Prémio Nacional de Conto Manuel da Fonseca, 2007); Imagens do estrangeiro no Diário de Miguel Torga, Fundação Calouste Gulbenkian/FCT, 2008. Além disso, tem poemas, contos, artigos e ensaios em diversos jornais, revistas e antologias.



[1] Versão adaptada e modificada da comunicação apresentada no Colóquio “Imagologias ibéricas: Imágenes de la identidad y la alteridad en las relaciones luso-españolas”, Universidade da Extremadura, Cáceres, Espanha, 30 de Novembro-2 de Dezembro de 2010.

Imagem de
http://cadernosociologia.blogspot.ca/2011/04/silencio-de-morte.html

RTP Play Promo
PUB
RTP Açores

Siga-nos nas redes sociais

Siga-nos nas redes sociais

  • Aceder ao Facebook da RTP Açores
  • Aceder ao Instagram da RTP Açores

Instale a aplicação RTP Play

  • Descarregar a aplicação RTP Play da Apple Store
  • Descarregar a aplicação RTP Play do Google Play
  • Programação
  • Contactos
Logo RTP RTP
  • Facebook
  • Twitter
  • Instagram
  • Youtube
  • flickr
    • NOTÍCIAS

    • DESPORTO

    • TELEVISÃO

    • RÁDIO

    • RTP ARQUIVOS

    • RTP Ensina

    • RTP PLAY

      • EM DIRETO
      • REVER PROGRAMAS
    • CONCURSOS

      • Perguntas frequentes
      • Contactos
    • CONTACTOS

    • Provedora do Telespectador

    • Provedora do Ouvinte

    • ACESSIBILIDADES

    • Satélites

    • A EMPRESA

    • CONSELHO GERAL INDEPENDENTE

    • CONSELHO DE OPINIÃO

    • CONTRATO DE CONCESSÃO DO SERVIÇO PÚBLICO DE RÁDIO E TELEVISÃO

    • RGPD

      • Gestão das definições de Cookies
Política de Privacidade | Política de Cookies | Termos e Condições | Publicidade
© RTP, Rádio e Televisão de Portugal 2025