Mestre na verdadeira acepção da palavra, Pléticos é tanto o orientador incansável de gerações de artistas, as quais transmitiu com paixão sua crença inabalável na função social e no poder transformador da arte, quanto artista criativo e versátil. Sua arte reflete a sólida formação da escola européia que freqüentou quando jovem, assimilando com personalidade própria as conquistas dos principais movimentos artísticos da primeira metade do século vinte.
Sua obra assenta-se sobre as tradições da pintura ocidental, dentro das quais buscou elaborar sua própria linguagem e construir sua personalidade artística. Ao chegar a Santa Catarina, nos anos 60, sua pintura matérica e vanguardista passou a ser uma referência para a geração que despontava no cenário artístico local. A pesquisa de novas possibilidades para a expressão artística sempre norteou seus passos. Sua vinda para Santa Catarina ocorreu num momento em que surgia toda uma nova geração de artistas que buscava fugir do figurativismo realista com tímidas nuances modernistas que predominava na arte catarinense. O isolamento provocado pela falta de contato com grandes centros, a inexistência de oficinas, cursos de arte e bibliotecas deixava sem perspectivas quem não se resignasse a ficar inutilmente buscando informações que inexistiam. Outra opção possível que era ficar gravitando na órbita dos mito-mágicos já consagrados e estabelecidos, não correspondia ao que os mais inquietos e insatisfeitos procuravam .Assim houve um verdadeiro êxodo: quem pode foi embora, alguns retornaram nas décadas seguintes
Para quem ficou, a alternativa para buscar uma formação mais consistente e atualizada foi frequentar o curso que Pléticos abriu nos fundos do Museu de Arte Moderna da capital catarinense assim que chegou aqui. Avesso a estrelismos, adepto da educação através da arte proposta por Hebert Read, trouxe a Santa Catarina os ecos tardios da revolução cubista.
Entusiasta do método de Cézanne de retratar três dimensões recorrendo a múltiplas perspectivas, e pelo modo como construía formas a partir de diferentes planos que parecem deslizar ou passar um através do outro, Pléticos instaura na pintura catarinense a técnica da passage que conduz o olhar a diferentes áreas da pintura, e ao mesmo tempo que cria um sentido de profundidade, chama a atenção para a superfície da tela que projeta-se no espaço do observador. Rejeitando a perspectiva limitada a um único ponto de vista com sua representação ilusionista do espaço predominante na arte ocidental desde o renascimento, o cubismo encarou o desafio de representar três dimensões na superfície bidimensional da tela.
No cubismo os objetos mais que descritos são sugeridos e os observadores devem construí-los tanto pelo pensamento como pela visão. Essa nova concepção espacial permite que a obra se torne aberta a múltiplas interpretações e reivindica para a arte um mundo independente do mundo exterior.
Como os métodos revolucionários cubistas foram o catalizador para boa parte dos principais movimentos e estilos que renovaram a arte da primeira metade do século vinte, é fácil avaliar a importância que a atuação de Pléticos teve no sentido de romper com o a defasagem histórica e o anacronismo reinantes que praticamente engessavam a criatividade e desencorajavam a pesquisa.
Com essa nova concepção do espaço pictórico chegando a Santa Catarina rompia-se finalmente com a tradição da narrativa linear descritiva criando-se os alicerces para a renovação da plasticidade catarinense que se consolidará nos anos oitenta.
Porém o ambiente provinciano com que se deparou ao chegar aqui teve um preço. Se por um lado o clima de cidade de interior permitiu-lhe desfrutar da proximidade com a exuberante natureza que tanto ama, por outro, acabou por fazê-lo recuar não na questão de convicções nem de qualidade, mas em termos de propostas mais radicais em seu próprio trabalho criador. Suas pinturas matéricas e não figurativas, que marcaram o período de sua chegada, foram gradualmente dando lugar a figurações pós-cubistas mais facilmente assimiladas pelo público ainda não familiarizado com as vanguardas artísticas do século XX. Mas mesmo adaptando-se de certa forma ao gosto local, soube manter a qualidade e a integridade de sua arte, trazendo para Santa Catarina a reflexão e o pensamento analítico imprescindíveis para a plena compreensão das propostas da arte contemporânea.
Enfatizando sempre a importância do desenho, da informação, do conhecimento profundo da história da arte, ele deu substancial contribuição para a organização da classe artística catarinense e para a evolução dos conceitos e da formação profissional dos jovens que com ele conviviam.
Desde então passaram-se décadas, atravessamos o século e este grande artista continua, a par de seu brilhante trabalho de criação, a orientar e estimular todos que lhe procuram. Sua influência irradia-se por todo estado e em praticamente todas as regiões de Santa Catarina podemos detectar influências de sua obra ou de seus ensinamentos. Num determinado momento de sua carreira, Pléticos, por problemas de saúde, não pode mais utilizar a tinta a óleo. Partiu então para a técnica do esgrafito que desenvolveu de forma a criar uma verdadeira escola. Após suas obras matéricas dos anos 60, é nesta técnica que vamos encontrar boa parte de suas obras mais inovadoras e significativas. Com essa forma de expressão que transita entre o desenho e a pintura e que lembra os processos da gravura em metal, Pléticos dá sua versão pessoal do desafio Picassiano de representar três dimensões na superfície bidimensional da tela, e do desejo de Braque de explorar a pintura do volume e da massa no espaço. Cria então através da personalíssima técnica do esgrafito, monumentais composições onde a aparente simplicidade esconde relações espaciais bastante complexas. Para obter os efeitos visuais procurados, prepara o suporte que em geral é madeira ou Eucatex inicialmente com várias camadas de tinta branca; a seguir são sobrepostas camadas de cores aguadas até surgir uma superfície homogênea. Ao esgrafitar essas superfícies com a ponta seca ou estilete, as camadas sobrepostas vão revelando uma intrincada e impactante construção gráfico-pictórica de grande poder expressivo. Esse processo foi pensado em cada etapa e detalhe de forma a dar o máximo resultado plástico. Essas obras esgrafitadas, com suas cores orgânicas, suas formas coloridas de cores vivas que se contrapõem a planos de valores mais baixos, criam verdadeiras sinfonias visuais orquestradas através dos contrastes de luzes e sombras. Nas composições geometrizantes, estruturadas a partir de linhas entrecruzadas de exuberante riqueza de texturas gráficas e beleza visual, transparece o processo construtivo onde predominam formas interpenetrantes em que a linha tem a função principal. As composições ousadas e monumentais equilibram-se em seu conjunto através de detalhes que acentuam os efeitos visuais. O emprego de camadas superpostas de formas planas cria simultaneamente uma sensação de algum espaço na frente do quadro e desloca outro espaço mais para o fundo. A distinção entre a profundidade pintada e a profundidade literal cai por terra, conferindo as obras um sentimento arquitetônico como se a pessoa enxergasse as coisas tanto no plano como em elevação. Esses assuntos até a chegada de Pléticos em Santa Catarina jamais eram colocados, pois havia uma preocupação excessiva com os temas, o regionalismo, as mitologias pessoais e coisas tais que deixavam em segundíssimo plano ou simplesmente ignoravam questões estruturais básicas que melhor refletissem nas artes o clima intelectual contemporâneo. Muitas das obras paradigmáticas de Pléticos foram criadas através dessa técnica do esgrafito que desenvolveu com maestria e que hoje servem de referência e
inspiração para diversos artistas catarinenses.
A personalidade artística de Pléticos possui várias facetas: além de exímio desenhista, pintor, apaixonado arte-educador e pesquisador de arte infantil, ele também tem uma formação de muralista, infelizmente não aproveitada em Santa Catarina. Um único painel seu, criado para o hall de um edifico no centro de Florianópolis, dá a ideia do que perdemos ao não sabermos aproveitar a sua formação de muralista. Outro lado praticamente desconhecido de seu trabalho é sua produção escultórica, onde através de protótipos tridimensionais, a escultura é abordada coo objeto construído e não mais apenas modelado, evidenciam-se suas tendências construtivas pós-cubistas.
A riqueza das diversas facetas da personalidade artística de Pléticos, a grandeza de sua obra, sua atuação como artista e arte-educador, seu profundo conhecimento da historia da arte que com todos compartilha, sua ética profissional, sua paixão pelo oficio que exerce fazem dele um dos nossos mais ricos patrimônios. Que o universo nos conceda o privilegio de com ele conviver por mais muitos e muitos anos.
_______________________________________
Sobre o AUTOR: João Otávio Neves Filho – Janga:
João Otávio Neves Filho, nasceu em Florianópolis, ilha de Santa Catarina.Pintor,gravador, desenhista e crítico de arte. Cursou Belas Artes na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Programação Visual na Fundação Armando Álvares Penteado, Xilogravura com Anna Carolina, Litografia com Antonio Grosso e Arte Contemporânea com Romanita Disconzi. Integrou o Grupo Nossarte. É membro da Associação Brasileira de Críticos de Arte. Expôs nos principais centros culturais do País.
Preocupado com a difusão do Mercado das Artes Visuais em Santa Catarina e,também,com a preservação do Patrimônio Imaterial,representado pelo rico artesanato ilhéu,João Otávio Neves Filho – personalidade ímpar da cultura de Santa Catarina e um grande batalhador pelos valores culturais da terra, criou há mais de três o Centro Cultural Casa Açoriana em Santo Antônio de Lisboa.
É seu Diretor Geral e de lá se faz ouvir como crítico de Arte e como grande difusor do saber cultural de Santa Catarina.