ECO CINZENTO
Carne que foste sentida
Chaga que foste cruz,
Sangue que já foste vida
Cego que já deste luz.
Eco na sombra gelada,
Eco perdido na estrada
Ao frio e à fome,
Confuso buscas no vento
O eco do sentimento
Que te consome.
Eco errante no Espaço,
Velho de dor e cansaço,
Eco cinzento
Paladino da saudade,
Em vão buscas outra idade
No firmamento.
Órfão perdido no monte,
Jamais ouvirás na fonte
Chamar de mãe;
Nem na rocha da ribeira
O lavar da lavadeira
Cantar também.
Eco da ilha perdida
Som extinto duma vida
Que já não fala,
Vazio e eterno tormento
Na mudez do sofrimento
Que tudo cala.
Bruma triste a escutar
A angústia plúmbea do mar
Tempos sem fim,
Sombra do anoitecer
Eco que eu sinto morrer
Dentro de mim.
Ramiro Dutra,
Eco Cinzento, Angra do Heroísmo, GEACA,1991.
Ramiro Duarte Dutra (1931), professor, cientista, poeta, natural da cidade de Ponta Delgada, ilha de S. Miguel, residiu e trabalhou na cidade natal e na de Davis, Califórnia, Estados Unidos da América.