Natal em dimensão infinita
Para o Daniel de Sá e Álvaro Lemos
Este ano vou fugir de um artigo de Natal de frases feitas para um artigo de Natal feito de frases. Como se a saudade abrisse uma caixa de tempo e me levasse ao mundo dos sonhos onde encerro os meus sonhos do mundo.
Soubera eu escrever para cantar a suave lembrança que me fez ocupar espaço no“Correio dos Açores”, neste 2013 em que se completaram 40 anos sobre a data em que naquele jornal comecei a trabalhar, pela mão de Rui Guilherme de Morais e sob a orientação firme do grande jornalista Manuel Ferreira que há pouco mais de um ano partiu para a outra dimensão da vida. Mas não estou aqui para falar destas quatro décadas que passam despercebidas porque parece que foi ontem.
Esta suave lembrança, porém, não deixa de ter um peso emocional muito grande, porque quarenta anos é muito tempo, embora o tempo de conjugar o verbo amar e gostar seja sempre curto e de infinito sabor.
Das coisas que mais me deliciava fazer no Correio dos Açores, o Suplemento de Natal era a primeira. Os contactos, a saudação, a alegria dos colaboradores, o seguir do palpitar de como estavam a participar os nossos anunciantes, a definição do número de páginas, a atenção de Jorge do Nascimento Cabral, e depois a proximidade e estímulo de Américo Viveiros, o stress de alinhar e paginar – Lubélia Duarte tomava conta do dia-a-dia do jornal que não se compadece com a feitura dos suplementos – tudo isto era de uma alegria e entusiasmo que ainda hoje me comove, depois de a doença e imobilidade me terem obrigado a um ponto que não foi final mas foi de grande viragem na vida.
Quarenta anos com pessoas que marcam e que me marcaram, porque muito do que somos é feito do que nos dão em carinho e estímulo, em presença e disponibilidade. E em cada ano, sentimos que o leque do passado se vai fechando, assim como que um sol que se põe num quadro em que vão aparecendo ondas de saudade que se espraiam na doçura de vida vivida e sentida.
Este ano não foi excepção. E há dois nomes que ao longo de décadas foram indissociáveis destes Suplementos de Natal do Correio dos Açores e que este ano passaram do nosso lado para dentro de nós: Daniel de Sá e Álvaro Lemos. Depois de Jorge Cabral, há três anos, este é para mim um Natal de evocação jornalística diferente.
Daniel de Sá era uma presença assídua no jornal, mas obrigatória no Natal. Ele afirmou, várias vezes que “para mim o Natal não é completo se não tiver o meu conto no Suplemento do Correio dos Açores”. E foram esses muitos contos de Natal que deram origem ao último livro que editou em vida, com a chancela da VerAçor Editores: O Deus dos Últimos! Um livro que não me canso de ler e reler e que me lembra que Natal é mesmo todos os dias. Daniel de Sá, mais do que um Amigo, era uma irmão para mim. Ele é a prova perfeita de que não é a presença física frequente que faz as verdadeiras amizades. É o espírito humanado no mesmo ideal. Pelo Natal, quando o Daniel de Sá me telefonava a dizer o que estava a escrever, eu sentia um cheiro a musgo arrancado de fresco, um eco de sinos tocando na torre, ou ouvia o som plangente de quem nada tem e tudo espera no nascimento de um Menino de que muitos celebram o aniversário esquecendo-se que Ele existe.
Para mim, um Natal sem Daniel de Sá não é fácil, mas é consolador, porque sei que ele já viu e conheceu a Luz que guiou os Magos, já deve ter encontrado a Marta e o Pedro, Rezando a um Deus que dorme e já percebeu a razão por que aquele poeta deixou Um poema por Escrever.
Quando um dia revelou ao mundo A bebedeira do Pai Natal, que “trocava as pernas e o destino dos brinquedos”, Daniel de Sá ainda estava na longa espera para esse encontro pleno que agora vive, na terra dos sonhos, na outra dimensão da vida que amou e que tão bem imortalizou nas saudades do sino grande ou nos sinos do Tio Bernardo, ( e vão ser setenta e cinco badaladas, senhor padre).
Neste Natal, a minha alegria é grande porque Daniel de Sá é universal. Ainda há dois dias a minha querida amiga Lélia Nunes, professora e Membro da Academia de Letras de Santa Catarina, no Brasil, me mandou uma foto que me emocionou. Nas decorações de Natal de Florianópolis, entre muitas frases de escritores brasileiros e alguns Portugueses (Antero e Nemésio) aparece o nome de Daniel de Sá com a citação: “A magia de um lugar está nos seus habitantes e nos seus sonhos”. É esta a foto de Lélia Nunes que mostra que Daniel de Sá é mesmo imortal.
Como na outra dimensão da vida não há diferenças, aqui está no meu espírito outro grande comunicador, este pela voz e pela palavra, nas ondas da rádio e nas colunas da imprensa, no abraço quase diário para o Correio dos Açores que eu sempre recebia com carinho mesmo na pressa e na multiplicação de tarefas do quotidiano: Álvaro Lemos! Uma ligação quase familiar, diria eu. A Fátima, sua mulher, ali, firme, aos telefones da empresa… e ele sempre atento, o nosso Homem das programações da televisão, das crónicas Uma no Cravo e outra na Ferradura, e uma sugestão sempre pronta quando algo acontecia no campo da cultura ou da arte nos Açores.
Pelo Natal, os contos de Álvaro Lemos eram sempre comoventes (ele não gostava nada de recordar a sua infância) mas a experiência própria fazia-o transcender em grandeza e apelos de humanismo e humanidade.
Não sei se será vaidade (mas também pouco me interessa)! Foram tempos de grande enriquecimento e de grandes diálogos, às vezes difíceis pelo tempo que me faltava. Mas há uma pessoa que pode dizer a verdade de tudo isto. O meu querido Director, Américo Viveiros, que todos os dias, ao fim do dia de trabalho, se sentava no meu pequeno gabinete de trabalho e aí me dizia, e acima de tudo me ouvia, no relato destes pequenos nadas que fizeram a minha vida nestes 40 anos de Correio dos Açores. Afinal… há sempre Natal, mesmo quando o mundo virado do avesso nos parece sem luz e sem cor! Um abraço e votos de Santas Festas!
Santos Narciso