MENINO JESUS ENTRE OS DOUTORES
Mário T Cabral, 20133
7. RETRATOS DE FAMÍLIA
a) Edith Stein
Iniciemos a penúltima parte de “Menino Jesus entre os Doutores”, dedicada aos génios cristãos que marcaram os séculos XIX/XX em todas as áreas do conhecimento e da cultura.
Muitas vezes parece que nós, que fomos os melhores até ao séc. XVIII, desaparecemos sem deixar rasto em tempo profundamente ateu. Nada mais errado: entre os melhores modernos muitos são cristãos excelentes, cuja obra reflete, não por acaso, a sua crença, influenciando em alto grau os destinos da nossa era.
Comecemos com uma bomba vitamínica: Edith Stein, ou Santa Teresa Benedita da Cruz: mulher, judia, linda, inteligentíssima, filósofa, freira, mártir.
Foi discípula de Husserl, um dos maiores filósofos do séc. XX, outro judeu afastado do ensino pelos nazis. Husserl é o pai da Fenomenologia, que está na base de muitos movimentos filosóficos contemporâneos, entre eles o existencialismo.
Mas a Fenomenologia também ajuda a descobrir a Verdade, e vários alunos de Husserl já se tinham convertido ao Cristianismo antes de Edith Stein, que o faz em 1921, quando lê a autobiografia de Santa Teresa de Ávila.
A conversão é imediata. Veste o hábito de carmelita. Passa a chamar-se Teresa Benedita da Cruz e chega aos picos místicos comuns aos da sua família religiosa. Morre num campo de concentração. João Paulo II coloca-a nos altares.
Uma parte da sua obra ocupa-se das relações do conhecimento com a fé. Há um texto deveras interessante em que compara Husserl com S. Tomás de Aquino; foi escrito em duas versões: a primeira é em forma de diálogo, num encontro fictício entre os dois gigantes; Heidegger pediu-lhe que pusesse a coisa em forma de artigo académico, para ser publicado numa revista.
Outra peça de grande interesse é “Modos de Conhecer Deus – A ‘Teologia Simbólica’ de Dionísio Areopagita”, onde explica de forma inesquecível as vantagens da metáfora sobre o conceito.
O grande propósito da linguagem metafórica é impedir a nudez de Deus, a sua redução ao conhecimento humano (o que seria paradoxal). O conceito “coisifica”, enquanto a linguagem metafórica é um véu que insinua mas respeita, num exercício de sábia humildade.
Em 1933, escreveu uma carta a Pio XI, alertando-o para o hediondo paganismo do partido de Hitler e pedindo-lhe que condenasse publicamente o nazismo. Respondeu-lhe o futuro Pio XII, assegurando-lhe que o Papa lera a carta. Em 1937 foi escrita a encíclica “Mit Brennender Sorge”.
Vê-se com Edith o que é comum em muitos santos: é na crista do seu tempo que saltam para a eternidade.
Mário Cabral Natural da Terceira, Açores é professor no liceu de Angra. É Doutor em Filosofia Portuguesa Contemporânea, pela Universidade de Lisboa, com Via Sapientiae – Da Filosofia à Santidade, ensaio publicado pela Imprensa Nacional – Casa da Moeda (2008). Para além do ensaio, publica poesia e romance. O seu último livro de ficção (O Acidente, Porto: Campo das Letras) ganhou o prémio John dos Passos para o melhor romance publicado em Portugal em 2007. Está traduzido em inglês, castelhano e letão. Também é pintor.