Crónicas Americanas
Nuno A.Vieira
Mão avisada, de amigo fiel, salvaguardou papéis que, em princípio, poderiam ter acabado na lixeira. Trata-se de uma série de crónicas, de Eduardo Mayone Dias, na sua maioria publicadas no jornal californiano – Diário Popular – e que, inicialmente, foram editadas em dois livros: Crónicas das Américas (1981) e Novas Crónicas das Américas (1986). Já no presente ano de 2014, essas duas obras, com a actualidade e frescura originais, foram compiladas e publicadas num só volume – Crónicas Americanas – na colecção Rio Atlântico, edição da Opera Omnia e com o apoio da FLAD.
O Dr. Eduardo Mayone Dias nasceu em Lisboa, licenciou-se em Filologia Germânica pela Faculdade de Letras de Lisboa e doutorou-se em Literatura Hispânica pela University of Southern California. Tanto na Europa como nos Estados Unidos, leccionou em diferentes instituições de ensino; a partir de 1964, foi professor de Língua e Literatura Portuguesa na University of California, Los Angeles (UCLA) até à data em que se reformou.
O professor Mayone Dias tem uma produção literária cujos títulos são expressivos da temática a que se dedicou – Crónicas das Américas, Açorianos na Califórnia, Coisas da Lusalândia, Novas Crónicas das Américas, Falares Emigreses, Língua e Cultura (co-autor), Crónicas da Diáspora, e Miscelânea LUSAlandesa, A presença Portuguesa na Califórnia. Além dessas obras, publicou centenas de artigos e crónicas, em diversas revistas e jornais, versando aspectos das literaturas e culturas hispânicas.
A seguir, passarei a parafrasear um ilustre aluno do Professor Mayone Dias, também ele catedrático e escritor, o Dr. Francisco Cota Fagundes, onde em introdução a Crónicas Americanas, traça um perfil do homem, do professor e do escritor que foi Eduardo Mayone Dias. – Como homem, Mayone Dias foi um mentor, um amigo amável, atencioso, sociável, generoso, compreensivo, tolerante e modesto. Como docente, era amante e conhecedor profundo da sua bem-amada língua portuguesa. Foi, para mim, uma fonte de inspiração; soube ensinar o aluno a ensinar-se em vez de o submergir em informação que ele ou ela poderiam adquirir por si próprios na biblioteca. Tinha um invejável sentido de humor que, por vezes, emergia duma simples manipulação da linguagem.Como escritor, interessou-se pela evolução da língua portuguesa em contacto com o inglês (Falares Emigreses).- Na qualidade de filólogo e pedagogo de línguas, foi co-autor de Portugal: Língua e Cultura e, mais tarde, de Língua e Cultura e Brasil: Língua e Cultura. Sendo ele emigrante, dedicou-se à investigação do fenómeno emigratório.
A um nível mais pessoal, convivia com as comunidades portuguesas a quem dispensou uma amizade genuína e que, por sua vez, o acolhiam com estima e consideração. Bastava-se a si próprio, isentando-se dos títulos de doutor e professor. Foi uma presença constante em congressos, apresentando trabalhos literários. Francisco Fagundes identifica a diáspora como experiência observada e a diáspora como experiência vivida como o principal dos denominadores comuns nos vários tipos de crónica de Mayone Dias. O professor Fagundes enquadra as seguintes rubricas no corpus cronístico de Mayone Dias: a crónica histórica, a crónica de lugares (designação à que agora gostaria de acrescentar e crónicas de viagens), a crónica etnográfica, a crónica–retrato ou álbum; a crónica memorialista.
No New York Times Bestseller, The Geography of Bliss (A Geografia da Felicidade), Eric Weiner viaja por diferentes países no intuito de localizar a felicidade. Em Crónicas Americanas, Mayone Dias parece encontrá-la em cada esquina, desde as Ilhas de San Blas, em contacto com a cultura dos índios Kuna até ao Rio, em contacto com os cariocas. A manhã do seu primeiro dia no Rio tem o mesmo entusiasmo de todas as outras manhãs em que Mayone Dias se levanta para ver, observar, conhecer, explorar e contactar outras terras, outros povos, usos e costumes. Nas suas próprias palavras: Acordara cedo, excitado pela perspectiva de conhecer aquela cidade que por tantos anos para mim fora só sonho.
Em Crónicas Americanas, Mayone Dias viaja nos Estados Unidos, principalmente na costa da Califórnia. Vive no México. Visita Cuba e Jamaica. Vai a Cartagena de Índias. Passa um fim-de-semana em Lima. Anda à toa no Rio [sic]. Em Toronto e Newark, encontra ruas portuguesas, onde não se ouve uma sílaba em inglês, respectivamente a Ferry Street e a Rua Augusta.
Num primeiro contacto com a América, Mayone Dias começa por decifrar a linguagem das estatísticas nas mais diversas situações. Democratiza-se aos poucos com a informalidade do tu-para-cá-e-tu-para-lá, com o tratamento pelo primeiro nome e com a irreverência para com as autoridades políticas. Observa a vida no campus universitário, os programas universitários e as actividades extra-escolares, assim como o ambiente numa sala de aula e a relação cordial do aluno com o professor. Mais chocante foi o streaking, praticado sobretudo nas universidades, onde estudantes se lançavam numa corrida rápida, justamente com o toillete com que vieram a este mundo.
A devida altura, Mayone Dias apercebe-se da coexistência de dois tipos de americanos: o da imaginação europeia e o generoso, um pouco ingénuo e idealista às vezes, mas com sentido pragmático da fraternidade e da hospitalidade aberta e efusão instantânea que encontra expressão em linguagem corrente – Thank you! Dear! Honey! Have a nice day! E ainda em sorrisos. Não poderá esquecer a amabilidade dos seus vizinhos novos que lhe adocicaram a boca e a alma com um bolo onde se lia a palavra Welcome.
Num país diferente, há a cartilha dos feriados com uma nova História, outras tradições e celebrações. A América deslumbrante aparece nos exotismos de Hollywood Boulevard, no mundo fantástico da Disneylandia e na incrível cidade de Las Vegas, onde o jogo e o amor se conjugam.
A convivência, lado a lado, de diferentes etnias em relativa harmonia, é outra surpresa. Veja-se Los Angeles com os bairros judeus, coreanos, japoneses, chineses, mexicanos, negros e de uma classe privilegiada que são os artistas. – Essa talvez seja a América de um povo híbrido e contraditório de que fala Miguel Barbosa no prólogo de Crónicas Americanas. De maior perplexidade é o receber notícias da mãe pátria à distância, como por exemplo a notícia inesperada da revolução do 25 de Abril.
O trabalho de Mayone Dias não passou desapercebido ao governo português. Na badana da capa do livro Crónicas Americanas lê-se o seguinte em referência a Eduardo Mayone Dias: Pela sua obra e importante divulgação da língua e cultura portuguesa recebeu o grau de Comendador e Grande Oficial de Ordem do Infante D. Henrique e a Medalha de valor e Mérito da Secretaria de Estado da Emigração, do governo de Portugal. Nos Estados Unidos foi alvo de várias homenagens e condecorações.
Uma citação feita na contracapa de Crónicas Americanas é significativa da visão, índole e acção de Eduardo Mayone Dias. O seu vizinho Freddie, indignado com a existência de uma cerca imposta por disposições camarárias entre a sua casa e a de Mayone Dias, largou a dissertar sobre o mundo por que ansiava, mundo onde não houvesse cercas, onde Deus estivesse em toda a parte, onde todos fossem como irmãos tolerantes e caritativos.
Crónicas Americanas, pela sua observação crítica, ajustada e englobante, poderá ser o primeiro Manual de Informação para quem emigre para os Estados Unidos e um bom guia turístico para todos aqueles que pretendam pisar as muitas terras por onde passou Eduardo Mayone Dias. É ainda memorabília preciosa para quem seguiu trilhos semelhantes.