Quem é Lélia Nunes?
É muito fácil de responder. Sou uma apaixonada pelos Açores e uma entusiasmada investigadora da influência açoriana no processo de miscigenação cultural no Brasil, sobretudo no Sul do Brasil, no Estado de Santa Catarina. É mesmo uma paixão imensa que me une aos Açores e não poderia ser diferente no meu trabalho de pesquisadora da nossa realidade cultural se não tivesse em conta a geografia dos meus afetos a partir da minha terra Catarina, território de permanência de meus antepassados açorianos há 260 anos.
Nasci na Primavera, no mês de setembro, estação da inquietude, da renascença, da promessa de um novo amanhã e, portanto, como a estação sou uma mulher inquieta, sempre em contínua busca de conhecer e aprender mais. De viver, amar e estar de bem com a vida.
Sou descendente dos primeiros povoadores açorianos do vale do Rio Tubarão, aí estabelecidos entre 1773 e 1774: João Machado Pacheco, Rosa Maria de Jesus, João André da Silva, Maria da Encarnação, João Thomé Machado, José Agostinho Cardoso, Clarinda Anna de Jesus, Francisco Antônio Martins de Oliveira, Maria Luiza Ávila de Oliveira,Virgínia Oliveira Cardoso, Antônio Francisco Pereira, Maria Antônia da Silva e João Pereira da Silva. A história dos meus antepassados e a dos meus filhos está entrelaçada com a história dessa bonita região de Santa Catarina, na sua diversidade social e cultural, nas suas lutas e conquistas, nos sentimentos partilhados e na comunhão com a terra a sua primeira identidade que os une como a força do sangue que corre em suas artérias em pleno século XXI.
Meus primeiros escritos foram publicados no Aurora, um jornalzinho editado pelo Grêmio Estudantil Mont`Alverne, do tradicional Colégio São José, das Irmãs da Divina Providência, onde fui uma indisciplinada e boa aluna dos quatro aos dezoito anos.
Nos duros anos da ditadura militar, instaurada a 31 de março de 1964, estudei Sociologia na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul embalada pelas canções de protesto de Geraldo Vandré, Chico Buarque de Holanda, Caetano Veloso com seu adorável É proibido proibir… e do ritmo gostoso da bossa nova de Tom Jobim e Vinicius de Morais, uma parceria inaugurada com o samba Se todos fossem iguais a você. Época que marcaria a minha geração por sua capacidade de contestar e não se vergar diante da noite que desceu sobre o Brasil. Uma geração que sonhava com a esperança equilibrista – a esperança dança na corda bamba de sombrinha e em cada passo desta linha pode se machucar – como cantava a inesquecível Elis Regina em "O Bêbado e a Equilibrista". Grandes mudanças assinalariam àquela década como os anos dourados da música, da literatura, da cultura, da drástica alteração dos costumes, do make love not war, e principalmente registraria a perda da democracia só reconquistada duas dezenas de anos depois, em 1985. Como esquecer que "Dormia a nossa Pátria mãe tão distraída /Sem perceber que era subtraída/ Em tenebrosas transações." (Chico Buarque de Hollanda).
( a continuar )