"Eis, portanto, um livro sobre o amor e sobre a morte. O livro ainda tímido, íntimo e escravo. A verdade toda para quando? Há-de estar para breve. O próximo, que é sempre o livro que nós ainda não escrevemos. Que nunca seremos capazes de escrever."
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Em 1975 surgiu em S. Miguel um livro cujo prefácio, do próprio autor, acabava assim. Acerca dele nada constava. Apenas um nome, um nome ainda sem marca registada, vulgar. O livro chamava-se "Histórias da Resistência". Escrevera-o um desconhecido João, como milhares de portugueses, que era de Melo, como muitos outros milhares. E o que mais impressionava, logo que iniciada a leitura, era a segurança da escrita, a beleza do ritmo, a força do texto. Parecia de um autor velho na idade e na literatura. Afinal foram-se sabendo umas coisas. Que era de um jovem que o escrevera quando tinha pouco mais de vinte anos. E, para espanto nosso, que era de São Miguel, uma ilha onde pouco ia acontecendo nos altos voos literários. Surpresa suprema: João de Melo era da Achadinha. A Achadinha, a do Nordeste, que a gente nem sabia de outra. Mas tão-pouco se conseguia encontrar lá alguém que soubesse quem era esse João.
A pouco e pouco o mistério foi-se revelando. O rapaz saíra muito novo para Lisboa, a família emigrara, o rasto deixado era o normal nessas circunstâncias: uma casa vazia, memórias iguais às de centenas de outros que haviam partido rumo a terras de melhor pão.
Mas agora já toda a gente na Achadinha sabe quem é João de Melo. E sabe-o a ilha e as ilhas, e o país inteiro. Pelo menos a parte das ilhas e do país que gosta da palavra escrita. E sabem-no muitos que o lêem numa qualquer tradução de tantas em que estão reescritos os seus livros. Ganhou prémios nacionais e internacionais. Sobretudo, compôs uma obra em que já várias vezes se pôde ler o livro da verdade toda. Mas ele pensa que não, e por isso continua à procura de revelar ou desvelar essa verdade. Para nosso proveito.
Como reconhecimento ou gratidão pela obra do escritor, a Câmara Municipal do Nordeste atribuiu-lhe, no passado dia 20 de Agosto, a Medalha de Mérito Municipal, na área da Cultura. E este é o facto que mais importa. Mas as circunstâncias também contam. Muitos dos seus conterrâneas a aplaudir aquele que levou o nome da Achadinha até tão longe. A Filarmónica Eco Edificante a abrir a cerimónia, à porta daquela que foi a casa da família, agora transformada em Centro Cultural. Muitos amigos lá dentro, alguns deles companheiros de caminhada na literatura. Vamberto Freitas a fazer o elogio do homenageado, com um improviso que foi verdadeiro e arrebatador. O agradecimento e o louvor dos presidentes da Junta de Freguesia e da Câmara Municipal. A emoção de João de Melo. A actuação do Aníbal Raposo e do seu grupo a encher algum espaço do prazer estético que ainda não estivesse completo. O convívio de todos estes amigos.
Daniel de Sá
Maia,Ilha de SãoMiguel
Agosto de 2008