– Vamos ao Bar do Peter – ordenou.
Segui-o como todos os anos na temporada das hortênsias que tingem de azul aquela ilha açoriana. Sentou-se à mesa junto à parede esquerda. Passeou o olhar gasto pelas bandeirinhas do mundo no alto. Continuei em silêncio. Apontou o dedo trêmulo para um pequeno balcão. Levantou-se e caminhou mancando até lá. Perguntou alguma coisa que não ouvi. Esperou enquanto o homem atrás do balcão procurava alguma coisa em um quadro forrado de papéis e envelopes grudados com tachinhas. O velho insistiu e ele agachou-se pegando uma caixa de sapatos rota. Com os dedos foi examinando mais envelopes. Finalmente, levantou os olhos e abanou a cabeça. Ele deu de ombros e voltou apoiando-se nas cadeiras. Sentou-se com um suspiro cansado.
– Nada. Não há nada.
– O que não há? – perguntei olhando as faces enrugadas.
– Cartas. Não há cartas para mim.Nem pegaram as que deixei.
No ano passado fora assim e também nos anteriores. Os velejadores do seu tempo já não passavam mais por ali mas ele insistia. Todos os anos, pedia-me para ir à Ilha do Faial, ver a Montanha do Pico à distância na ilha fronteira e sentar-se às mesas de tampo de mármore daquele bar. Sempre perguntava por cartas naquela secular posta restante dos navegadores do Atlântico. O homem serviu-nos sem perguntar o que queríamos.
– Pelo menos – sorriu triste – o gin tônica ainda deve ser o melhor do mundo.
Bebemos vários, pois é impossível beber uma só dose daquela bebida. Ele permaneceu absorto deixando os olhos enevoados percorrerem as mesas vazias.
– Talvez no ano que vem. – disse enquanto levantava-se com dificuldade. Esperou que eu pagasse, abanou para o homem atrás do balcão e voltamos à rua.
– Tem certeza que quer voltar? – arrisquei-me.
– Meu filho, quem anda ao sabor dos ventos sabe que não pode perder a esperança. Olhou-me com um repentino brilho nos olhos e acrescentou – Um dia, de repente, o vento sopra para o lado que queremos. E ademais esse gin certamente continuará sendo o melhor do mundo.
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* Nota: Publicado originalmente na Revista MAGMA,
número sete,C.M.Lajes do Pico.2008.
———————————– Horta,Ilha Faial Açores