O vestido era de muitos botões, de uma carreira só, que ia desde a dobra da gola até o fim, perto do joelho. Dona Aparecida desabotoou botão por botão e jogou o vestido, com moleza, sobre uma poltrona que havia no quarto. De grosso tecido, dispensava combinação, luxo de que se despira logo que terminaram os únicos exemplares do enxoval de seu primeiro casamento. Mas esta noite ela vestia uma combinação preta, que combinava com a noite trovosa lá fora, com o dia e com o seu coração, preto de dor por ter sido castigada com duas viuvezes.
Levantou a combinação até à cintura, virou-se, contemplou a bunda no espelho. Deu uma escapada de olhos despreocupada sobre Rufino, que já dormia – parecia. "Bunda de gringa é sempre esculhambada. Tenho que me cuidar mais, não ir muito no pesado, fazer os filhos ir; eu tenho seis filhos para quê?"
Acariciou as próprias pernas, uma comichada no lombo meio entoucinhado, um sacolejo no sutiã para verificar a suspensão dos seios – ainda firmes – uma penteada rápida, uns toques de pó-de-arroz no rosto e algumas dúvidas, e eis que se deitou.
A lamparina, tal como dona Aparecida, ardeu toda aquela noite. Antes do sono, lembrou-se do Zé-sonso da Jurema, filho do próprio primo e, por isto, imprestável: segundo dona Mosa, os gêneros humanos não eram como o gado, pois se se misturavam muito, nasciam tansos e meio desconformes, com muitos aleijos. Zé-sonso, além de mocorongo, tinha vinte e quatro dedos, seis em cada mão, seis em cada pé.
Olhou para Rufino, que dormia – parecia -, deu-lhe um afago na testa, virou-se para a beirada e assistiu à misturança das coisas do dia com as coisas do sono, olhar meio perdido no alumiar da lamparina.
Segundo Mistério Glorioso: Dona Aparecida Volta a ser Cortejada.
No segundo mistério glorioso, contemplamos como dona Aparecida, depois da missa do trigésimo dia, definitivamente conformada com o roubo súbito de que fora vítima, voltou a ser cortejada por vários homens, que, atraídos por tão sóbria viuvez, começaram a piscar olhos para ela e a fazer-lhe propostas de muitos pecados.
Rufino continuava a dormir com dona Aparecida. Os outros irmãos, nos primeiros dias, muito debochavam: "É um marmanjão e dorme com a mãe". Cláudia, porém, em segredo, imaginava diferentes coisas.
Rufino, de ouvido mouco, ignorava aquelas provocações. Aprendera a preparar o quentinho na cama para que dona Aparecida, quando fosse deitar, achasse bom. E ela achava, principalmente quando chegou o inverno. Todos iam dormir logo depois da janta, mas ela, não. Lavava pratos e panelas, escolhia o feijão ou peneirava a farinha de milho para o outro dia. Ia sempre dormir muito tarde. Disfarçava assim, grandes exigências de seu corpo.
Uma noite, porém, Rufino sonhou, na força de seus dezoito anos, que no meio do rio abraçava uma mulher sem rosto, mas muito linda.