II – PATRIMÓNIO
Segundo escreveu um apaixonado admirador da Ilha (Guido de Monterey) “A parte mais valiosa do Pico, sob o ponto de vista monumental, encontra-se nas igrejas e nas ermidas espalhadas ao longo da ilha”.
Realmente, a Ilha do Pico possui um rico património, especialmente de carácter religioso, bastante evidente na quase totalidade das igrejas que povoam a ilha. E, para que não se julgue que só ponho em relevo o lado Sul, principio por citar a monumental paroquial da Madalena, que já em 1871 era considerado o primeiro templo da ilha, pela sua magnificência e bela talha dourada da capela-mor e de alguns altares laterais. Temos a Matriz de São Roque, construída em 1714. E, naquela Vila, destaco o convento franciscano e a respectiva igreja anexa, cuja construção teve início em 1724, sendo de realçar o altar-mor de rica talha dourada e um frontal de coiro.
A igreja da Criação Velha data de 1728 e a da Piedade foi construída após o sismo que derrubou a antiga paroquial, no ano de 1757. É a única que mantém, embora em desuso, sepulturas interiores, separadas por cordões de basalto lavrado.
As igrejas de Bandeiras ficou concluída em 1871, embora, a 1ª. pedra tivesse sido lançada em 1845; as da Prainha do Norte (l787), de São Mateus (1842) e da Piedade (1767), merecem destaque pela beleza das suas cantarias.
Nas Lajes temos o convento franciscano e igreja anexa, que, ao longo dos tempos, hão sofrido diversas transformações interiores. A Igreja foi pasto de um incêndio, em 1832, que a destruiu totalmente e que, segundo os historiadores, era muito rica em talha dourada.
A Matriz das Lajes impressiona pela sua grandeza e riqueza de contaria. Inaugurada em 1967, depois das obras estarem suspensas quase meio século, ainda não encontrou o seu acabamento capaz e digno da sua grandeza arquitectónica.
A Vila da Madalena conserva o frontispício dos Paços municipais, construídos aquando da criação do concelho em 1723.
São Roque construiu há anos o respectivo edifício para nele ficarem instalados os serviços municipais, judiciais e de finanças. O antigo edifício dos Paços do Concelho, construído a norte da Matriz, foi demolido há anos, sem que dele ficasse, que se saiba, ao menos uma fotografia. O mesmo aconteceu ao das Lajes, cuja construção era datada de 1500, aproximadamente.
Existem na ilha alguns prédios urbanos de boa traça e que revelam a época de esplendor da laranja e do vinho verdelho.
Imóvel de interesse público, como tal oficialmente classificado, é o antigo castelo ou forte de Santa Catarina. Foi construído em 1792, por ocasião das invasões francesas, para defesa da baía. Anteriormente, para evitar a invasão dos piratas argelinos, existiram os fortes da Barra, da Terra da Forca, e de S. Catarina, os quais o tempo se encarregou de destruir.
O século dezoito foi, na realidade, uma época próspera na qual foram construídas as principais igrejas e edifícios públicos e até mesmo alguns particulares.
III – ARTE
Pode afirmar-se que o Pico foi uma terra de artistas. Não ficaram obras de arte -nem esculturas nem pinturas – mas outras, mais simples mas de arte expressiva. Com os povoadores não vieram arquitectos.
Aquando do povoamento, para cá foi trazido um ferreiro, como nos diz a postura municipal de 23 de Maio de 1506, o qual “receberia dois moios de trigo, uma casa e o frete dele e do seu fato”. E isto porque já então havia mesteiras ou mestres dos ofícios de sapateiro, carpinteiro, pedreiro, alfaiate, cardador, tecelão e oleiro. Faltava um ferreiro.
É de notar, que a população estava na sua infância. Cinquenta anos haviam passado somente sobre o início do povoamento. E todos aqueles ofícios já existiam, numa população constituída apenas por quarenta e cinco moradores ou sejam chefes de família, pelo que os residentes deviam andar por duzentos e cinquenta, segundo as regras estatísticas.
E destes artistas outros saíram que se cultivaram não somente na arte que exerciam mas igualmente em outros misteres. Foram artistas na construção naval. E neste sector importa referir Francisco José Machado “O Experiente” que, ainda jovem, teve a arrojada iniciativa de construir a primeira canoa baleeira à qual deu o nome de “São José”, a mais elegante embarcação existente no mundo, no entendimento de artistas portugueses e estrangeiros.
Recentemente foram aparecendo os artesãos de scrimshaw. Verdadeiros artistas, as rendeiras, os construtores de instrumentos musicais, sobressaindo a tradicional viola da Terra, e outros mais que se vão exibindo com êxito nas Feiras Nacionais e Internacionais.
Propensos à cultura musical, foram surgindo os agrupamentos filarmónicos constituídos por artistas liberais e que, em sua denominação incluíam o qualificativo “Artista”. Foi o caso da primeira Filarmónica do Distrito, Artista Faialense, mais tarde da União Artista de São Roque, da Artista Lajense, etc. De notar que a Filarmónica Lajense, não adoptou essa denominação, por ser constituída pelas figuras gradas do concelho: o Administrador do Concelho, o escrivão da Câmara o morgado e outros mais. Mas isso foi no começo porque logo depois, e ainda hoje, ela continua com artistas de diversas profissões.
IV – CULTURA LITERÁRIA
Antes de mais importa recordar que a primeira máquina impressora, existente na ilha do Pico foi trazida para a vila das Lajes pelo professor de primeiras letras, Manuel Tomás Pereira, em Setembro de 1874. Nela não chegou a imprimir-se qualquer jornal. Com a saída do Professor Manuel Tomás Pereira, para Lisboa, onde fixou residência, a impressora foi vendida para a Madalena e nela se imprimiu o primeiro jornal do Pico. “O Picoense” foi fundador pelo então estudante Urbano Prudêncio da Silva, que, depois de formado em Direito na Universidade de Coimbra, veio para a Horta como Secretário Geral do Governo Civil.
“O Picoense” foi o primeiro de uma série avantajada de periódicos, uns semanários, outros quinzenários, que existiram nas três vilas picoenses nos finais do século XIX e princípios do século XX, quase todos coadunados com a política vigente. Na Vila das Lajes houve “O Trabalhador” e “A República“… Presentemente, em cada concelho existem órgãos locais de boa leitura e excelente recorte literário.
Uma plêiade ilustre de varões de assinalado mérito ocupa a lista algo avantajada daqueles que às letras se deram, desde remotos tempos. Não os posso a todos recordar. Trago aqui apenas os nomes de alguns, ao acaso, referindo que publicaram mais de trezentos títulos, o que é notável para uma ilha que, durante muitos anos, foi considerada quase de gente analfabeta. E além das publicações de livros e opúsculos, deve referir-se a Imprensa, que conta mais de um século.
O primeiro que um opúsculo publicou foi Frei João, picoense, autor do “Panegírico”, dirigido ao Senhor D. João V na festa da proclamação que se celebrou na ilha do Faial em 23 de Abril de 1707 e de que nos dá notícia o Cónego Pereira no seu trabalho “Padres, Bispos e Publicistas Açorianos”. Foi impresso em Lisboa em 1708. Há trezentos anos!
No século dezanove houve várias publicações de que foram autores: Doutor Machado Serpa, António Ávila Gomes, Pe. João Inácio Batista, Pe. Manuel de Simas Cardoso, P. Glória, poeta, o jornalista e escritor P. Manuel Francisco Fernandes, a poetisa Maria Ernestina Avelar, o Cónego José de Medeiros do Amaral, o professor Manuel Emílio Thomás da Silveira, O oficial do Exercito António da Costa Torres, e o irmão Raul da Costa Torres, o Dr. João Paulino, depois Bispo de Macau, e o poeta Manuel Henrique Dias. E já no século vinte a começar pela poetisa Amélia Ernestina Avelar, e pelo contista Nunes da Rosa, que embora não houvesse nascido na Ilha, Picoense se considerava, há um número avantajado de escritores, poetas e jornalistas, cuja referência seria fastidiosa, mas cuja relação aqui trago, para consulta de algum interessado. E de assinalar o número de títulos de escritores picoenses. Só este anotar: Dias de Melo publicou 29 títulos, (sete dos quais com duas edições) Martins Garcia vinte e sete títulos; e Lacerda Machado quinze títulos. E só estes refiro, para não tornar extensa e fastidiosa esta modesta fala. No entanto, e como disse, aqui fica a relação, quase completa, dos autores picoenses e títulos dos seus trabalhos, que ascendem a cerca de trezentos e vinte e oito, sem contar os escritores filhos de picoenses e aqueles outros que não sendo picoenses, no Pico se radicaram, como é o caso de Nunes da Rosa, de Almeida Firmino ou de Sabino Luís..
E basta por hoje.
Muito obrigado pela vossa atenção.
Ermelindo Ávila
Ermelindo S.M. Ávila é natural da vila das Lajes do Pico onde nasceu em 18 de Setembro de 1915. Tem o 1º ano do Curso de Filosofia do Seminário de Angra.
Iniciou-se no jornalismo na revista “Eco Cedrense”, Quinzenário da freguesia dos Cedros, Faial, e depois no semanário “O Dever” em 16-4-1932. Foi Editor deste semanário até 1954, e desde que ele passou a publicar-se, na vila das Lajes, em 1938. Tem colaboração assídua nos diários “A União”, “Diário dos Açores”, “Correio dos Açores”, Açores” “Telégrafo”, “Correio da Horta” e “Jornal do Pico”. Foi durante largos anos correspondente do jornal “O Século”, de Lisboa. Publica também crónicas semanais na “Rádio Cais” e, ocasionalmente, na “Rádio Montanha”. Transmitiu, entre 1968 e 1969, uma série de crónicas no “Rádio Clube de Angra” e, em 1975/76, na RDP-Açores.
Publicou em livro: “John (Portugee) Phillips – Herói Português em Terras Americanas”, “A Ilha do Pico (Roteiro Histórico e Paisagístico)”, “Dr. Luís Ribeiro – Um Testemunho Simples”, “Lourdes nas Lajes do Pico”, “Emigrados – Imigrantes”, “Centenário de S. Francisco – O Franciscanismo na Ilha do Pico”, “A Ilha do Pico – Crises Económicas”, “Ilha do Pico – Suas Origens e As suas Gentes”, “No Nascimento do Tenente – Coronel José Agostinho – Duas Palavras de Homenagem”, “Conventos Franciscanos na Ilha do Pico – Notas Históricas”, “Temática Baleeira na Literatura Açoriana”, “Figuras & Factos – Notas Históricas, Vol. I”, “Um Século de Baleação -Museu dos Baleeiros das Lajes do Pico”, “As Festas da Vila”, “Comunicações e Transportes”, “Semana dos Baleeiros / l992”, “Por Terras do Oriente – Reportagens”, “Um Picoense Imigrante nos Estados Unidos – Herói nas Lutas Contra os Índios”, “Crónicas da Minha Ilha Vols. I e II”, “Emigrados – Imigrantes”, “Concelho das Lajes do Pico”, “Sociedade Filarmónica Recreio Ribeirense -1900-2000”. Em 2005, foi publicado o seu último livro “Figuras & Factos”, vol. II.
É sócio fundador da “Sociedade de Língua Portuguesa”, “Núcleo Cultural da Horta”, “Sociedade de Escritores da Madeira – Açores”; e também sócio da “Sociedade Histórica da Independência de Portugal”, do “Instituto Cultural de Ponta Delgada”, “Sociedade Afonso de Chaves”, “Instituto Histórico da Ilha Terceira” e “Instituto Açoriano de Cultura”.
Em 1995 Ermelindo Ávila, foi agraciado pelo Presidente da República, Doutor Mário Soares com o grau de Comendador da Ordem de Mérito.