(Lisboa, Outubro 2008.
Foto de Eduardo B. Pinto)
Quando entrámos no táxi ali mesmo às Amoreiras e lhe dissemos que íamos para um hotel que ficava na Castilho e Salitre, apercebemo-nos logo da carranca com que se pôs. Não era justo, queixou-se logo que nos instalámos no carro, que fretássemos um táxi para percorrer apenas uns quantos quarteirões; que seria muito mais caro irmos de autocarro, autocarro que nem sequer nos deixaria à porta do hotel; que, enfim, tinha gasto mais em gasolina enquanto esperava por um frete, pois tinha que pôr o carro em marcha e mudá-lo para a frente quando um colega saía, do que faria com este frete… que era uma injustiça o que nós lhe estávamos a fazer. Entreolhámo-nos, os que ali estávamos a fazer-lhe aquela injustiça de nos termos hospedado apenas a uns quantos quarteirões da sua praça de táxis… Poderíamos descermo-nos.
Sabíamos que a Carolina que ali ia connosco, sobrinha da Irene, ao regressar dos Açores e apanhar um carro no aeroporto de Lisboa, teve de sair do táxi pouco depois, por razões semelhantes. Carregada de comida recém-preparada pela mãe micaelense, presentes de Natal da família, regressava ao continente português para iniciar as aulas na Faculdade. Mas, infelizmente para ela e para o motorista, o seu apartamento ficava ali a uns escassos quarteirões do aeroporto. Quando disse ao motorista para onde ia, ele, como este nosso, fê-la ver a injustiça dum frete tão pouco remunerado; falou-lhe desta merda de governo; que mal se ganhava para comer nesta merda de país chamado Portugal; que, aliás, os espanhóis estavam a comprar tudo em Lisboa, pois até a Avenida da Liberdade já era deles; e os hotéis que se construíam ou se renovavam eram todos construídos e comprados por espanhóis; que depois vinham lá dos confins da Espanha ensinar aos portugueses a gerir um restaurante, a pôr uma mesa, a cozinhar uma carne de porco à alentejana… e daqui a uns dias viriam para cá, os sacanas dos espanhas, ensinar-nos a cantar o fado naquela língua que Deus lhes deu…
A pobre da Carolina viu-se na obrigação, para se poupar a um sermão interminável e lhe poupar, ao motorista, mais esta desgraça dum frete amargo, de sair do táxi. O que fez às tantas da noite, tendo que percorrer a pé o resto do percurso que lhe faltava até ao seu apartamento.
Também me lembrava eu de um frete do ano passado, amargo para o motorista e inconveniente para mim, que fizera ali da Faculdade de Letras para o Hotel Diplomático, também na Castilho. Apanhado o táxi ali mesmo à saída da Faculdade, quando lhe disse que ia para o Diplomático franziu o sobrolho e pespegou-me com um mal-humorado “Mas eu não costumo fazer fretes lá para a Baixa, e a esta hora de ponta…” E a carranca com que se pôs não dava lugar a esperanças da minha parte. E perguntei-lhe, esperando uma resposta negativa, se então ele queria que eu saísse do táxi. Ao que respondeu sem hesitação: – Se não se importasse. Eu não gosto de conduzir para a Baixa e a esta hora de ponta… E saí do táxi, tendo que caminhar ali de ao pé da Faculdade até lá baixo a Entrecampos, onde apanhei outro táxi. Antes de entrar nele, porém, tive o cuidado de perguntar ao motorista se ele tinha qualquer problema em levar clientes à Baixa, ali à Castilho, como se lhe perguntasse se ele não se importava de levar clientes aos Açores de táxi, e esperando uma carranca tradutora de iminente resposta negativa… Que não, não se importava. Até vivia ali para aquelas bandas e estava aqui em Entrecampos num frete…
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