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Este conteúdo fez parte do "Blogue Comunidades", que se encontra descontinuado. A publicação é da responsabilidade dos seus autores.
Imagem de a terra onde corre leite e mel
José Francisco Costa
Comunidades 10 mai, 2009, 05:22

a terra onde corre leite e mel José Francisco Costa

José Francisco Costa

 

 

a terra onde corre leite e mel

ou a despedida de inverno

com os olhos da alma 

no meu outro lado

 

 

 

E, antes de mais, um desabafo morno, da cor de uma  lareira imaginada em serões de aldeia, para nos descongelar, ou  desentorpecer, os dedos que  a toda a hora desejam hibernar neste desconforto do inconfortável  inverno da Nov’inglaterra: danado frio cinzento que, por dentro e por fora, te derramas por meses a fio, com a neve, farelinho do céu (só na ficção) esfaulhado por essas cidades e vilas!…

Preso à esperança de que é passageiro este adormecimento da natureza, fico-me a observar o corpo que me pesa na razão adversa aos propósitos novos do ano que começou. Lembro-me, então, da galhofeira expressão de um amigo distante da minha juventude lonjínqua, quando, pela milésima vez, nos decidíamos não acender o próximo cigarro que, ainda por cima, tinha o quase sabor de  fruto proibido. Tragando a última fumaça do que, já o sabíamos, não seria o derradeiro santajustazinho, esse terno cúmplice das minhas lembranças, com sábio exagero, modificava, assim, o aforismo bíblico: “O espírito anda cheio de força,  mas a carne, essa, está podre.”  Agora, mais do que nunca, lhe  dou  razão, ao deparar-me com o meu próprio esforço de manter a forma, entrando na dança dos 50 milhões de americanos que este ano se propuseram reduzir o LDL (o mau colestrol – sabia leitor? ) e aumentar o HDL (o colesterol amigo, com lipoproteinas de alta densidade – ou coisa que o valha. Ai, se o decorar tudo isto nos tirasse alguns quilos de cima!…). Só que, desse número de bem intencionados, uma ínfima minoria levará de  vencida a batalha contra a gordura. O resto (onde, desde já e muito sorrateiramente, me terá colocado o tal amigo) irá correndo (sem perder qualquer caloria, mas gastando muita “massa”) entre o folhear apressado do último título do mais encartado dos dietistas e a consulta do milagroso caderno de receitas arrancado à cozinha  paleolítica. Os mais fracos de nós – com curvas envergonhadas e impróprias para matrícula no ginásio do burgo – contentar-se-ão com a aquisição de  uma qualquer maquineta de exercícios caseiros, com destino previamente marcado para o próximo yard sale do tempo bom que há-de vir.

Depois do desabafo, a nota de esperança.  Apesar  do humor com que vão repassadas estas linhas (assim como assim, a tristeza nem paga dívidas ou dúvidas…), pediria licença para revelar, com o ar mais sisudo deste mundo,  o que terei descoberto (só para a finalidade  particular de me aliviar o inverno, claro!) sobre a problemática em epígrafe. Foi assim. Um dia destes, ao sair com as humanas necessidades satisfeitas pelas banais compras do supermercado, adquiri, com o assentimento e o sorriso malicioso da Lourdes (testemunha de uma barriga cheia de derrotas e alguns feitos) um opúsculo com o título “Maná do céu”.  Receitas da Bíblia! Miraculosas! E, vai daí, experimentei o que, em tradução com sotaque bíblico, se dá pelo nome de “Tabuleia”.  Misturei, à risca, todos os ingredientes: carolo de trigo previamente demolhado, cebola verde, azeite com fartura, mais vinagre, meia chávena de nabiças, uma pitada de mostarda, sal a gosto, e muita, mas mesmo muita! salsa.  Tudo a crú! E feito em pouco tempo, a correr,  como quem atravessa o deserto em busca de terra prometida. Comi. Comemos. Gostei. Gostámos. Mas faltava o resto. Pudera! Olhámos à volta! O quintal era neve. O céu era cinza. A Pantufa dormitava, cadela esquecida e despreocupada, num rolo branco de pelo quieto contra o aquecedor. Então,  pensei que a receita contra todas as mazelas nossas era um voltar ao tempo e ao lugar  onde eu sentia nas veias o correr do leite e do mel  da minha idade moça. Subir e descer calhaus, nadar e pescar submerso na sombra da rocha. Comer carapauzinhos fritos, chicharinhos assados com molho de vilão ou açaflor.  Com  o naco morno do bolo da sertã, amolecido da pinga de vinho dos nossos mistérios e biscoitos, dar de comer ao  corpo e servir a alma com a “tabuleia” da salsa e mais verdes da nossa esperança de vida ilhoa.

 

 

José Francisco Costa nasceu nas Capelas, S. Miguel, Açores.  Tem o Doutoramento em Literatura Portuguesa Contemporânea, da Universidade de Massachusetts  Amherst; o Mestrado em Estudos Portugueses e Educação Bilingue, da Universidade de Brown. Frequentou o Seminário de Angra do Heroísmo, a Universidade Católica Portuguesa, e bacharelou-se em História na Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa. Foi, durante 20 anos, director pedagógico da Escola Portuguesa de East Providence. É professor de Português e director do LusoCentro no Bristol Community College, em Fall River. As suas publicações incluem livros de poesia, prosa e ensaio. Os seus poemas e contos integram antologias. Tem colaboração  em jornais e revistas, e é autor de canções. Algumas das suas publicações incluem A Correspondência de Jorge de Sena: Um outro espaço da sua escrita (Lisboa: Salamandra, 2004); E da Carne se Fez Verbo (Lisboa: Salamandra, 2000); Crónica do 25 (Lisboa: Ministério da Educação,1999); e Mar e Tudo (Lisboa: Salamandra, 1998).

 

 

 

 

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