Cercado pelo azul turmalina do mar e claridade luminosa do céu que no sol poente se veste de tons rosados, violetas, etéreos, e se derrama sobre o casario centenário, de beleza simples, um colorido que encanta e dá charme a Santo Antônio de Lisboa, situado na costa ocidental, a cerca de 20 km do centro de Florianópolis, é uma das três povoações mais antigas da Ilha de Santa Catarina.
O Distrito de Santo Antônio de Lisboa foi criado pela Provisão Régia de 26 de outubro de 1751 e se desenvolveu voltado para a imensa baía que se abre diante de si como uma toalha rendilhada por bilros de pura magia que se estende sobre a areia no vai e vem plácido de suas ondas. Uma baía pontilhada de barcos de pesca identificando uma comunidade de tradição pesqueira, título que ostenta com orgulho, o mesmo que sente por, hoje, ser reduto de artistas e intelectuais que buscaram na tranqüilidade da localidade a qualidade de bem viver.
Voltar mais de 300 anos na história da Ilha. É assim que quem chega a Santo Antônio de Lisboa se sente ao percorrer suas ruas, a praça Roldão da Rocha Pires, com o calçamento “pé-de-moleque”, feito com pedras brutas, irregulares, pela mão escrava, para receber a visita do Imperador Dom Pedro II e Dona Thereza Christina, em outubro de 1845, se encantar com o casario e adentrar na Igreja Nossa Senhora das Necessidades, construída no século XVIII, tombada como patrimônio histórico e arquitetônico pelo Decreto Municipal nº 1341/75, e uma das mais bonitas da Ilha.A chegada dos açorianos entre 1748 e 1756 promove o seu desenvolvimento econômico e social, o crescimento populacional, configurando um feitio peculiar ao povoado que marcou para sempre a presença açoriana no se jeito ser, de estar, de saber, de fazer e de celebrar.
Santo Antônio de Lisboa é uma comunidade orgulhosa de suas raízes, que preserva dos seus valores e costumes, respeita as tradições açorianas com suas práticas coletivas, relações de trabalho, crenças, ritos e simbologias.No conjunto das manifestações culturais mais representativas do lugar é a religiosidade um traço forte constatado nas suas celebrações litúrgicas, procissões e festejos como a tradicional Festa do Divino Espírito Santo e Nossa Senhora das Necessidades na primeira semana de setembro.
O registro mais concreto de que se tem conhecimento sobre o culto em louvor ao Espírito Santo e a realização de sua festa com a cerimônia de coroação do Imperador é datado do século XIX e refere-se à ocasião da visita à Província de Santa Catarina, em 21 de outubro de 1845, das suas majestades imperiais Dom Pedro II e Dona Thereza Maria Christina quando fizeram uma doação à Igreja Nossa Senhora das Necessidades o que permitiu a aquisição de uma Coroa do Espírito Santo. Quanto à criação da Irmandade do Espírito Santo deve-se ao arcebispo Dom Joaquim Domingos de Oliveira, que no domingo de Pentecostes de 1927 deu posse a primeira diretoria da Irmandade. Portanto, o que se sabe antes da criação da Irmandade em 1927 é fruto da tradição oral e da memória coletiva do lugar que fala da realização da festa a partir da última metade do século XVIII.
Em Santo Antonio de Lisboa, a festa ocorre na primeira semana de setembro coincidindo com o dia da padroeira.
A partir do domingo de Pentecostes a Bandeira, a Coroa e o Cetro os irmãos saem a visitar as localidades que integram o Distrito de Santo Antônio percorrendo casa por casa, abençoando as famílias e pedindo donativos para a festa. Sua chegada é anunciada pelo toque forte de um tambor e recebida com muita alegria e devoção pelos moradores que beijam o estandarte, a pomba que encima o mastro, cortam pedaços das fitas ou penduram fitas como pagamento de promessas, cobre o corpo do enfermo e a cabeça da criança. Por onde passa a Bandeira são rezadas novenas com ladainhas cantadas em latim como no tempo do seu Valério João de Souza (1888-1967) que foi capelão das novenas do Divino e tinha por missão de percorrer todo o distrito levando a Bandeira peditória e rezando a novena em latim, em preparação para a festa do Divino.
A festa é realizada por uma Comissão Organizadora responsável por toda a estrutura funcional, planejamento e execução da programação cultural e religiosa, formada pela Diretoria da Irmandade do Divino Espírito Santo e Nossa Senhora das Necessidades, presidida pelo Vigário Paroquial e administrada pelo Provedor, tendo à frente o Casal Imperial escolhido pelos irmãos e pároco. É uma escolha de consenso, tirado de uma lista de nomes indicados pela comunidade e pelos irmãos levando-se em conta a vivência religiosa e expressiva participação do casal nas atividades comunitárias. Por este motivo, há preferência pelos moradores do Distrito, embora este não seja um fator excludente. Para além, são coadjuvantes desta grande festa os Mordomos e os Juízes do Divino e de Nossa Senhora das Necessidades. Os Juízes são convidados pela Irmandade e Casal Imperial para colaborarem diretamente na organização e execução da festa formando verdadeiras equipes de trabalho. Constitui uma honraria ser chamado para Juiz da Festa e é comum pessoas se oferecerem para a referida função em pagamento de promessa feita ao Espírito Santo ou à santa padroeira. Basta um simples olhar no programa da festa para constatar o grande número de pessoas convidadas para serem Juízes. Neste ano de 2009 foram convidados 290 juízes, dá para se ter uma idéia do que isso representa no seio da comunidade.
)Continua…)
Comunidades
09 set, 2009, 06:10
A Festa do Divino Espírito Santo e de Nossa Senhora das Necessidades – Santo Antônio de Lisboa (1/2)Lélia Pereira da Silva Nunes
Império do Divino
Anunciada pelo som do tambor
(do vermelho rubro)
Desprega-se solitária pomba.
Das entranhas nasce a reza...
O cortejo passa lento,
Cruzando a janela
Que ilumina uma bandeira do Divino.
Semy Braga
(In:Jardim dos Aromas,2006)