“Remodelando corpos – a moda na Florianópolis de 1950”
José Alfredo Beirão ou simplesmente Beirão, nos oferece uma obra ímpar para o deleite e aprendizado sobre uma cidade, situada numa ilha, que possuía apenas uma ponte, duas ruas bem movimentadas, Felipe Schmidt e Tenente Silveira, um comércio variado, mas de poucas vitrinas e de muitas promoções, onde se destacavam as Lojas Hoepcke, A Modelar e a Kotzias Tecidos, uma bela praça central e de muitos sonhos de futuro.
Tal como Aldirio Simões , este poeta da capital catarinense, as páginas de Beirão nos faz sonhar e imaginar um tempo que já vai longe. E se sonhar é viver, revivemos, mesmo sem nunca ter vivido, uma Florianópolis que se desejava outra no alvorecer de um Brasil moderno, industrializado e democrático.
Os anos 50 e a década seguinte foram de intensas reformulações urbanísticas em Florianópolis. A urbanidade, mais do que as conseqüências da industrialização dos processos produtivos, foi um desejo, um sonho construído a partir de um olhar ao longe, de cidades que já haviam sido consagradas como modernas e que, como espelhos, autorizavam um modelo a seguir. Essa urbanização vivida como desejo, como vontade de parecer-se com um outro, se realiza como imagem. Alguns suportes simbólicos permitem, ao lado de referentes materiais, tal percepção e tornando-se o que sua imagem dizia ser, a Ilha Capital julgou-se “descoberta”, estava “emersa”, ou seja, fixada na superfície de sua própria aparência. E nada mais legítimo do que contar sua história a partir dos dizeres de senhoras costureiras que, reesculpindo corpos a partir de sua arte, eram artífices deste sonho, das elites que ali circulavam e dos desejos de modernidade que todos embalavam.
O desencaixe da vida social era ainda parcial na Ilha de Santa Catarina, tendo em vista que a sociabilidade, oferecida pelo espaço urbano, era pautada no conhecimento das pessoas que por ele circulavam e que se conheciam em contatos diretos da experiência social. E, nessa cidade dos anos 50 a 70, muitos foram os bares e cafés, restaurantes e clubes, calçadas e esquinas nos quais a vida partilhada em experiências comuns recebia, gradativamente, seus primeiros forasteiros – o estranho urbano que demanda indiferença em seu trato -, suas fichas simbólicas e as interferências dos sistemas peritos que, construindo instrumentos de apreensão da vida social, levava cada Fausto florianopolitano a viver sua metamorfose de sonhador para a de um empreendedor do mundo moderno.
A cidade desejada, mesmo que não se realizasse, – e isso faz parte de sua modernidade -, já era o contexto no qual uma nova recepção estética se propunha, cujo imaginário, permeado por múltiplos espelhos, construía novas subjetividades. As costureiras, as boutiques, os chás beneficentes, as soirées do Lira e do Clube 12, os casamentos badalados dos grã-finos e toda a infinidade de festas que foram surgindo como pretexto e contexto de exibições dos sujeitos modernos foram as ferramentas de construção deste sonho de modernidade, desta transformação da Florianópolis de pescadores, marítimos e donas de casa numa cidade de homens e mulheres da Moda.
Além deste fascinante livro nos levar aos anos 50, ele também enfatiza algo importantíssimo aos estudantes de Moda e de seu sistema: a dinâmica de implantação de uma sociedade de moda. Ao dar conta de detalhar o contexto histórico e a ampliação da urbanização e do poder aquisitivo da população; de descrever as ocasiões de festas e exibições da elite local; ao informar os meios de informação de moda e de formação de novos hábitos; ao apontar os locais de comércio de moda e suas dinâmicas de atração da clientela e, para nada deixar de fora, ainda ao analisar o papel fundamental das costureiras na adequação das tendências de moda internacionais e modelação dos corpos aos novos ditames da elegância, Beirão percorre os cinco pontos fundamentais para o estudo de um fenômeno social de moda: o nível aquisitivo da população em estudo; as condições de informação das tendências de moda; a disponibilidade de oferta do produto de moda; as possibilidades de exibição do consumo de moda e o sistema de emulação imposto pela elite local .
Portanto, esta obra realiza, com mérito, seu papel na constituição de uma história da moda no Brasil.
Mara Rúbia Sant’Anna
Profa.Dra.História da Moda
Universidade do Estado de Santa Catarina- UDESC
JOSÉ ALFREDO BEIRÃO,catarinense,nascido em Criciúma. É arquiteto. Tem especialização na ESMOD-Paris e mestrado em Engenharia de Produção,UFSC. É,atualmente,doutorando em Engenharia e Gestão de Conhecimento da UFSC.
Professor na área de criação do Curso de Moda da Universidade do Estado de Santa Catarina- UDESC
Créditos fotos: Capa de Adriana Füchter
do Autor: Joaquim Araújo