Hoje, dia 20 de março quando a noite abraçar a Ilha de Santa Catarina e Outono chegar de mansinho, pelas ruas da Velha Desterro a imagem do Senhor Bom Jesus dos Passos segue em procissão. Vou caminhar junto, reverenciando um ritual que há 244 anos se realiza na Florianópolis de 2010. Uma tradição da fé católica em tempo de Quaresma.
No tempo da Quaresma a Ilha se veste de roxo, identificando não apenas o tempo litúrgico, mas principalmente as tradições religiosas vivenciadas e que marcam profundamente a nossa comunidade insular.
A Procissão do Senhor dos Passos é uma das tradições religiosas que mais fala diretamente a alma do florianopolitano. É uma das maiores festas de fé e de religiosidade popular de Santa Catarina e considerada um dos símbolos da cidade de Florianópolis, tanto quanto a nossa Ponte Hercílio Luz que com seus braços de ferro, pênsil, nos une ao continente desde 1926. Uma manifestação cultural tombada pelo Conselho Estadual de Cultura como Patrimônio Cultural Imaterial de Santa Catarina.
. Procissão do Senhor Jesus dos Passos de Florianópolis ou Procissão do Senhor dos Passos, ou, simplesmente, Procissão dos Passos pouco mudou em seus 244 anos de realização sob a organização da Irmandade do Senhor Jesus dos Passos. Momento único em que se irmana toda a gente, abrigada pelo mesmo balandrau roxo da Irmandade.
Reza a tradição que a imagem do Senhor dos Passos, de extraordinária expressividade e beleza é de autoria atribuída ao escultor baiano Francisco Chagas. Ela veio da Bahia e tinha como destino o porto de Rio Grande. No entanto, “o santo milagroso” sinalizou com o mau tempo que queria ficar na Ilha. As três tentativas para entrar na barra do Rio Grande do Sul foram frustradas e o capitão da embarcação que a transportava decidiu deixá-la no Porto do Desterro, pois esta parecia ser a Vontade Divina. A imagem, no passado, apresentava movimentos de cabeça, mexia os olhos e a língua causando um grande impacto nos fiéis. Por este grande temos quase coletivo,seus movimentos foram travados.
A chegada da imagem do Senhor dos Passos em Desterro, em 1764, e sua posterior permanência, motivaram a fundação da confraria “Irmandade do Senhor Jesus dos Passos” no dia 1º de janeiro de 1765 que teve no quadro dos fundadores o madeirense Padre Marcelino de Sousa e Abreu e os açorianos Tomás Francisco da Costa, Manuel de Sousa da Silva, Manuel de Medeiros e Sousa e Manuel Vieira Maciel.
Cabe destacar que nos dias atuais a Irmandade abriga em seus quadros os mais humildes Irmãos e os de maior prestígio social e político do Estado de Santa Catarina. Permeando em seu seio fortes relações de poder, entre o sagrado e o profano, influenciando a vida política e social da comunidade. Tem uma atuação destacada no exercício da caridade, na administração do Imperial Hospital de Caridade, construído em terreno doado pelo açoriano, da Ilha do Faial, André Vieira da Rosa, onde mais de 80% dos pacientes recebem gratuitamente tratamento qualificado e humano e na manutenção do culto ao Senhor dos Passos.
Um ano depois da chegada da veneranda imagem foi realizada a primeira Procissão do Senhor dos Passos, com rituais e símbolos que perpassaram gerações e hoje são percebidos na sua preparação e celebração apresentando quatro cerimônias importantes: a Lavação da Imagem do Senhor Jesus dos Passos, três dias antes da procissão; a Missa e a Procissão do Carregador; a Transladação das Imagens e a Procissão do Encontro.
A Lavação da Imagem é feita por crianças “inocentes” – menores de seis anos. Após a lavação, a imagem é preparada e vestida por quatro membros da Irmandade do sexo masculino. A água da lavação é distribuída entre pessoas devotas que acreditam no seu poder milagroso. Uma crença observada também em outros lugares como São José, Tubarão, Jaguaruna, Laguna, Imbituba e Imaruí, cidades do litoral catarinense e com raízes vincadamente açorianas. A forma de lavar a imagem varia de lugar para lugar. Constitui sempre de um ritual solene onde é proibida a participação das mulheres da Irmandade. Na pequena cidade de Imaruí, por exemplo, a imagem é lavada e muito bem lavada com litros e litros de vinho tinto. Este vinho usado na lavação é engarrafado e vendido aos fiéis como “Vinho do Senhor dos Passos”.
A Missa e a Procissão do Carregador no sábado de manhã, da quinta semana da Quaresma, faz a mudança das alfaias – dos objetos utilizados na procissão, tais como: castiçais, mesas, suportes, escadinha da Verônica, baús, crucifixos – da Capela do Menino Deus no Imperial Hospital de Caridade para Catedral.