Os primeiros registros são dos anos setecentos, atravessam as dobras do tempo e chegam no século XXI com a mesma intensidade de louvor. Dentre as principais festas religiosas e ainda sobreviventes estão a Festa de São Sebastião (20 de janeiro),a Festa de Nossa Senhora dos Navegantes (2 de fevereiro), a Festa de Nossa Senhora do Desterro, padroeira da Catedral Florianópolis (17 de fevereiro), a Festa de São Pedro, padroeiro da Barra da Lagoa e do Pântano do Sul (29 de junho), a Festa Nossa Senhora da Lapa, padroeira do Ribeirão da Ilha (8 de setembro), a festa de Santa Catarina de Alexandria, padroeira da Ilha e do Estado de Santa Catarina (25 de novembro),a procissão de Corpus Christi, a procissão do Senhor Jesus dos Passos e a Festa do Divino Espírito Santo.
A Festa do Divino Espírito Santo, representa o maior símbolo da presença açoriana no contexto cultural de Florianópolis. Sua intensa manifestação envolvendo todas as comunidades do município alimenta uma tradição secular que mesmo sofrendo transformações no decurso do tempo, fortalece uma herança comum que nos une aos Açores e seu povo.
Na Ilha de Santa Catarina e na área continental acontece a Festa do Divino Espírito Santo: no distrito sede, Florianópolis, na Capela do Espírito Santo localizada na Praça Getúlio Vargas e nos seguintes distritos e bairros: Ribeirão da Ilha, Pântano do Sul, Campeche, Cachoeira do Rio Tavares, Prainha, Lagoa da Conceição, Barra da Lagoa, São João do Rio Vermelho, Canasvieiras, Monte Verde (Saco Grande),Santo Antônio de Lisboa, Trindade e no Estreito, situado na parte continental. Há em cada uma destas localidades características particulares seja na celebração de solenes rituais religiosos seja na realização de grandes festejos populares de caráter profano ao Espírito Santo. É o Ciclo do Divino que se inicia no domingo de Pentecoste, cinqüenta dias após a Páscoa, de acordo com o calendário litúrgico da Igreja Católica, nos meses de maio e junho e que se encerra no mês de setembro quando ocorre a última festa do ano, A Festa do Divino Espírito Santo de São João do Rio Vermelho.
O visitador do “Continente Sul”, Pe. Bento Cortes de Toledo, de 1799 a 1800,em seu livro de visitas anotou a existência da Irmandade do Espírito Santo na freguesia de Nossa Senhora do Desterro. Informação que seria confirmada em 1811 pelo Visitador Pe.Agostinho José Mendes dos Reis, em seu Termo de Visita em que dá ciência da presença da Irmandade do Divino Espírito Santo tão somente na ”freguesia Vila Nossa Senhora do Desterro da Ilha de Santa Catarina” onde fez o registro de 954 “fogos” com 5.074 “almas de sacramento”.
Em Florianópolis, destaca-se a presença de três Irmandades do Divino Espírito Santo: a da Capela do Divino Espírito Santo, na região central,da Paróquia de Nossa Senhora do Desterro, a da Paróquia Nossa Senhora da Lapa do Ribeirão da Ilha e da Capela de Nossa Senhora das Necessidades de Santo Antônio de Lisboa. Observa-se, nos últimos cinco anos, um movimento para a criação de novas Irmandades por iniciativa da própria comunidade e do pároco. É o caso da Capela de Nossa Senhora da Conceição (Lagoa da Conceição), que no ano 1999 criou a sua e a da Capela de São Francisco de Paula (Canasvieiras) que no ano de 2003 deu os primeiros passos para a criação da Irmandade de São Francisco de Paula e Divino Espírito Santo.
As mais antigas referências sobre a existência da Irmandade e a celebração da festa datam de 1773, ano da instituição da Irmandade do Divino Espírito Santo da Paróquia Nossa Senhora do Desterro e de 1776 ano da realização da primeira Festa do Espírito Santo. Somente em 1806 aconteceu a primeira Festa com Coroação, sendo o primeiro Imperador o Capitão Manoel Francisco da Costa, de origem açoriana.
Uma breve releitura de citações literárias e notas publicadas em jornais do século XIX até os dias de hoje revelam a importância social e religiosa da Festa do Divino Espírito Santo para a comunidade de Florianópolis e a intensidade de sua manifestação ao longo das gerações. As edições dos Jornais “O Mensageiro” de 29 de março de 1853, ”O Argos” de 21 de julho de 1857 e 7 de junho de 1859, “O Cruzeiro do Sul” de 27 de maio de 1857 e “Santelmo” de 23 de maio de 1858 e 27 de maio de 1858, noticiam amplamente a programação dos festejos, a cerimônia da coroação do Imperador,a bênção dos pães, as cantorias, os foliões e quermesses, conforme afirma o historiador Osvaldo Rodrigues Cabral em “Nossa Senhora do Desterro – Memória I”,p.262, publicada em 1972:
“era a tradição açoriana que aqui se mantinha na quase
totalidadede sua pureza. A festa do Espírito Santo requeria
barulho, foguete, música, canto,alegria, muita comida (nos Açores
chama-se o bodo) e alguma bebida, muita confraternização para
qual, na sua origem, foi instituída. Festa popular por excelência.”
O escritor Virgílio Várzea, deixou registrado em “Santa Catarina – A Ilha” (1900,1984), obra laureada pela Comissão Comemorativa do Quarto Centenário do Descobrimento do Brasil, um pungente e encantador relato sobre a Ilha de Santa Catarina e seu povo, na passagem do século XIX para o XX. Ele, que era membro da Irmandade do Espírito Santo, com grande esmero e riqueza de detalhes descreve as tradições, o cerimonial, o fervor, o entusiasmo, os festejos, o leilão de prendas realizadas numa grande barraca armada no vasto adro da Igreja Matriz.
A barraca, descreve Virgílio Várzea (p.70):
“ Enfeitada com bandeiras, e toda ornada de ‘giornos’
para a iluminação da noite, apresenta, a proporções
enormes, o aspecto risonho dos coretos que se fazem
em toda parte por ocasião das festas públicas.”
A propósito do sucesso da festa, da animação do leilão e da grande barraca armada sobre colunas de madeira e coberta com lona, o Jornal Santelmo, dirigido por J.J.Lopes noticiou na edição de 23 de maio de 1858, citado por Osvaldo Rodrigues Cabral (1972:265):
“ O Barraco (certamente além do Império…) está em estado de receber e acomodar
o belo sexo que, aplaudindo ao Divino, concorre muito para aumentar o produto
das ofertas. Um filho de S.Excia. o sr. João José Coutinho (era o Presidente da
da Província ) é o que faz as vezes de Imperador e a Casa da Residência do sr.
Juiz de Direito desta Comarca, próxima a Matriz é a destinada à festança.”
Na edição de 27 de maio, o referido jornal voltava a noticiar:
“A festa esteve notável, com o teatro e o barracão à frente convenientemente
arranjados, muita gente, mas com uma banda de música marcial que entretem
a reunião, embora a pancadaria do zabumba e caixa atordoe alguns.”
Três dias de intensa festa, findos quais tinha lugar a uma bonita e artística queima de fogos mandados buscar na Corte ou vindos dos Estados vizinhos.
Mais uma vez, recorre-se ao brilho da descrição de Virgílio Várzea (p.73):
“O povo se reúne (…) por três dias, findos os quais tem lugar um belo fogo de vista,
composto invariavelmente das velhas peças conhecidas: um navio dando combate
as duas f
ortalezas, o amolador, o casal de valsistas e o antigo e velado painel
transparente, onde, no fim de tudo, por uma mutação repentina,surge o símbolo
do Divino numa auréola flamejante.”