Ler e reler
Maria Lúcia Lepecki
Meu caro Eduíno:
Nada fácil decidir que tipo de texto poderia trazer-te em jeito de homenagem. Pensei, então, em uma espécie de ensaio onde trataria, muito ao de leve, a tua poética, chamando a atenção para:
A simplicidade como arte.
Tentaria aqui mostrar de que modo a tua escrita, de uma extraordinária pureza e elegância – uma escrita a todos os títulos clássica – manipula com destreza as mais fundas emoções do leitor, tocando-lhe fibras remotas não apenas dos sentimentos mas sobretudo, e isso é admirável, da memória. Ler-te é sempre uma forma de nos revisitarmos – e só os verdadeiros poetas nos podem proporcionar experiência como essa.
A afectividade como arte
Depurada ao máximo, negando-se a atavios de qualquer tipo, na tua poesia pulsa (e isto é surpreendente num discurso simultaneamente tão contido) uma luminosidade doirada, um toque genesíaco, um sobressalto erótico, que aproxima a tua voz, malgrado evidentes diferenças discursivas, da voz de Natália. Repositório de afectos tudo o que escreves. Tudo o que das tuas mãos sai é escrínio de paixões tanto mais violentas e vivificantes quanto mais contidas, sustidas, naquele renovado, obsessivo. prelúdio da palavra que todo o verdadeiro poema é.
Uma arte da música
Seria este, meu caro Eduíno, o último aspecto que eu abordaria nos teus poemas. Trataria de mostrar neles a dimensão melódica, desdobrar para o meu e teu leitor o cuidadoso jogo de vogais e o disciplinado pas-de-deux entre vogais e consoantes, umas e outras se retomando, frequentíssimas vezes, para criarem uma cadeia de ecos que, reforçando sempre o afectivo e o passional, trabalha agora no plano do sensorial, por vezes do mais requintado sensual. Com este labor de artista e esta mão de mestre consegues, junto de nós, ou junto de mim, muitas coisas. E a mais importante delas diz-se em poucas palavras: com o teu saber dos sons, com a melodia inoculada em cada poema, em cada estrofe, em cada verso, tu ressuscitas nos teus leitores a magia dos primeiros encontros com o mundo sagrado da poesia.
Por isso tudo, meu caro Eduíno, e por muito mais que aqui não digo, reler-te sempre é a sina de quem alguma vez te leu.
Lepecki, Maria Lúcia. “Ler e reler”. In Eduíno de Jesus: A ca(u)sa dos Açores em Lisboa, homenagem de amigos e admiradores. Eds. Almeida Onésimo Teotónio e Leonor Simas-Almeida. Angra do Heroísmo, Terceira: Instituto Açoriano de Cultura, 2009. 111-113.
NOTA: Foto do acervo de Lélia Pereira da Silva Nunes