A TRISTEZA BATEU FORTE
Apesar de não ser das amigas mais antigas e mais íntimas de Maria Aurora, e não querendo a elas comparar-me – porque sei que não se medem sentimentos! -, tive um choque, quando o Viale Moutinho me enviou uma mensagem a dar conta do irremediável! Eu tinha falado com ela, por telefone, na semana anterior, e ela estava bem disposta, até brincou um pouco, sempre corajosa, lutadora, carinhosa! Por isso, convenci-me que ela superaria mais este desafio…
Habituei-me, como muitos, a vê-la junto a mim, próxima, ela era indissociável da paisagem desta cidade, para além de outras coisas mais. Por isso, sinto-me mais só. Por isso, sempre que passar pela esplanada do Café do Teatro, sei que nada será o mesmo. Sei que a presença da sua ausência me doerá, que a lembrança da sua alegria e carinhosa afabilidade me faltará, cada vez que cruzar a esplanada sob a beleza etérea e lilás dos jacarandás, que, tenho a certeza, se quedaram, a partir de ontem, irreparavelmente, mais tristes, como todos os que com ela privaram.
Lembrá-la-ei sempre como alguém, genuinamente, franca, plena de força, de vida, expressando sempre o que, sentidamente, sentia. Dona de uma voz luminosamente cheia, capaz de vibrar o mais sentido carinho ou, ao contário, o mais veemente desagrado, tinha um enorme e sensível coração, albergando nele imensos amigos. Ela dispunha-se aos outros e todos cabíamos nele. Senhora, igualmente, de uma voz literária própria, autora por direito próprio, soube projectar como quase ninguém os autores madeirenses, soube dar a conhecer e dinamizar, incasavelmente, a cultura desta ilha, ignorando cansaços, até ao fim. Ela congregava vontades.
Em toda a minha vida, fui sempre capaz de fazer poucas amizades, poucas mas boas. Falo, é claro, de amizades de eleição. E, desde o primeiro dia que nos falámos, pressenti que a amizade entre nós floresceria. Nos favoreceria. Não me enganei. Houve um cantinho especial no meu coração, onde, aos poucos, ela se instalou para ficar. Sei, com uma certeza de fé, que também ocupava um bocadinho do seu. Sei-o. E sinto-me privilegiada e agradecida ao destino ou às conjugações astrais, ou ao que quer que seja que não se explica, o facto de ter tido essa sorte. Apesar de conhecer a Maria Aurora, pessoalmente, há, mais ou menos, 13 anos, desde que vim viver para o Funchal – embora já a conhecesse havia anos -, a sua disponibilidade generosa, a sua constância leal de amiga, fizeram com que me rendesse à sua amizade desinteressada. Sei que ela foi e será sempre uma verdadeira e singular amiga. A ela devo-lhe o ter-me acolhido e aceite, ainda que pela mão da queridíssima amiga Ana Margarida Falcão, no seu seio de amigos, na sua roda literária, qual távola redonda de amigos, escritores, poetas, artistas, nos colóquios, e não só, e na sempre alegre e esfusiante convivialidade. Amiga atentíssima, Aurora protegia-nos sem darmos por isso. Ela era a nossa matriarca! Ao redor de quem nos iremos reunir, agora? Em redor de quem? Obviamente, reunir-nos-emos uns aos outros, uns com os outros, mas nada será como era! Não teremos o seu olhar vivo e eloquente, por vezes, mais do que a própria voz! Não teremos o seu calor, a sua autenticidade, a sua vida, que nos enchia e aquietava. Com ela estávamos seguros! Mas o seu desaparecimento físico deixa-nos aquela dor funda e um vazio enorme, uma tristeza sem nome! Certamente, continuaremos a reunir-nos em pequenas tertúlias à volta da sua ausência que será, então, mais presente que nunca! E sei que ela, a nossa amiga, participará nela, invisível, impalpável, quiçá com a graça que lhe conhecíamos, afirmando-se, prodigamente, através de um brilho estranho e mais intenso na noite, que alguns de nós, quem sabe, captarão, de repente, à nossa volta ou mesmo sobre as copas dos jacarandás, que ela tanto amava.
Amiga querida e inesquecível, profundamente lamento que te tenhas apartado de nós, assim… tão bruscamente! Agradeço-te tudo. E sei, amiga minha, que seja lá onde for a tua nova morada, a tua luz continuará, o teu olhar amigo e o teu espírito seguirão oferecendo-se a nós em pura e intensa afectividade, estendendo-nos os ramos pródigos da tua mais verdadeira e sincera ternura, teus braços de aconchego. Um enorme e derradeiro abraço, já cheio de saudades, desta tua grande amiga,
Maria Emília García Osório de Castro
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Crédito Imagem e Legenda: Festa das Flores de Funchal, de M.Perestelo, (madeiraislands.travel)