Crônica de Natal
Gosto muito das tradições natalinas e das crenças para entrar bem o Ano Novo tanto quanto gosto do Carnaval, da Páscoa e da Festa do Divino Espírito Santo. São celebrações que estão dentro do coração das pessoas e marcam de forma significativa a memória coletiva. A cada Natal tenho escrito uma crônica de Natal falando dos sentimentos que transbordam aos borbortões e que vamos partilhando com toda gente junto a mil juras e promessas para viver bem e melhor o ano que está para nascer.
Assim, para não perder o costume e nem deixar passar a data em branco aqui está minha crônica de Natal deste ano inspirada não no apelo extraordinário da simbólica data e no clima de festa que abraça minha Ilha de Santa Catarina, mas nas minhas reminiscências e nas tradições de agora e da qual sou uma apaixonada. Muda o mundo, mas o Natal é sempre Natal com toda sua magia e encantamento. O tempo, tanto o de ontem como o de agora, será sempre presente e eternamente novo. Um ontem marcado pela lentidão dos relógios e dias compridos e um hoje que engole os minutos, as horas e passa apressado em direção do amanhã. O ano se esvai na força da corrente e cada vez mais nos reduz o tempo.
Isso faz lembrar os dezembros de minha meninice quando ao entardecer olhava o céu tingido de vermelho lá na linha do horizonte e minha mãe dizia que o céu se preparava para celebrar a vinda do Menino Jesus. Dias luminosos aqueles… Os campos, muito verdes, cobertos por uma profusão de margaridinhas amarelas que só aparecem nesta época do ano. Um amarelo tão lindo que até parece que o sol derramou seus raios com desleixo e ali deixou-se ficar. Imagens que assomam à lembrança enquanto pendurada no alto da escada vou retirando as caixas com enfeites guardados há menos de um ano. São lindos! Uns antigos, herdados da minha mãe Zuzu. Outros, acumulados ano após ano ao longo de quarenta anos. Todos portam uma história que vou contando à Larissa, minha neta, enquanto abro as caixas de papelão e começamos o ritual de enfeitar a árvore. Nossa antiga árvore foi aposentada e em seu lugar está um bonito pinheiro com 2,20 m.de altura, que comprei em Lisboa, na Loja do Gato Preto, há um ano atrás e que já rendeu uma crônica.
O sol de verão e o mar azul roubam a companheira de afazeres natalinos que de fininho escapuliu para praia. Sigo sozinha nas minhas deambulações pelas canadas da memória, vasculho reminiscências de outros natais: da menina, da moça faceira, da mulher-mãe e dos natais dos nossos filhos. Revisito momentos e pequenas tradições cúmplices da minha história de vida.
Numa pequena caixa de madeira encontro chumaços de algodão e confetes prateados que um dia cobriram galhos da árvore de Natal como se fossem flocos de neve que caíam nos natais de lugares distantes da América e da Europa. Ah! O nosso Natal tropical, ensolarado, quente e tão diferente do branco Natal novaiorquino ou parisiense…O fato é que a imagem da paisagem coberta de neve em pleno Natal mexe com o nosso imaginário. Tão é verdade que o mais popular Shopping localizado à beira-mar está completamente revestido de prata e branco com direito a anjos platinados que se mexem ao som da trilha sonora típica. Aliás, nevou até no centro de Floripa, na Praça XV de Novembro, numa providência dos “bruxos” da Prefeitura Municipal que deixaram nosso povo ilhéu extasiado. Uma ironia se compararmos com a calamidade pública que o excesso de neve está provocando na Costa Leste americana ou em boa parte da Europa.
Nosso Natal não pode ser associado à imagens aconchegantes na lareira e paisagem nevadas. De maneira geral, não me importo com rótulos. Mas, com este me importo e muito. O nosso Natal é assim: têm cheiro e cor de verão, de mar, de sol, de chopinho gelado, de pele bronzeada, dourada, de água de côco, de caipirinha, de samba. Frio ou gelado só o sorvete, de todos os sabores tropicais. Nosso Natal tem o aroma indescritível de canela, de cravo, de frutas secas que impregna a casa e que se misturam aos cheiros e sabores da cozinha onde são preparados os pratos salgados, os doces e o bolo de Natal feito com mel e frutas, receita de família, rabiscadas num velho caderno que passou de mão em mão no correr da vida.
O verdadeiro encanto do Natal catarinense está na essência do celebrar no seio das famílias, entrelaçando usos e costumes, sejam eles açorianos, germânicos, italianos,eslavos e tantos outros. Identificados no bolo de Natal, no panettone, no honigkuchen, no stollen, no kutiá, na tradicional ceia de Natal onde não pode faltar o peru e, finalmente, a troca de presentes a meia-noite.
É o tempo natalino tomando conta do nosso coração. Tempo de pensar na minha realidade e também de olhar para a humanidade. É hora de reflexão e de atitudes positivas, de se juntar ao esforço coletivo e solidário, contribuindo de alguma forma para o bem comum.
Quando olho a minha árvore montada ao lado do singelo presépio agradeço ao Menino Deus a alegria de viver. E nesta travessia para 2011 quero olhar o Ano Novo ( e os próximos) com os olhos do vaqueiro Manuelzão de Guimarães Rosa:
“Miguilim, Miguilim, eu vou ensinar o que agorinha
eu sei, demais: é que a gente pode ficar sempre
alegre, alegre,mesmo com toda coisa ruim que
acontece acontecendo. A gente deve de poder
então ficar mais alegre, mais alegre, por dentro! ”
(In: Manuelzão e Miguilim,30ªed.1984)
Lélia Pereira da Silva Nunes
Florianópolis, Ilha de Santa Catarina
Dezembro de 2010
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