AÇORES
Não haver prejuízo na solidão, haver fortuna para lá do mar
Algo suspenso como se pudéssemos irradiar
Há terras excessivas a provocar o sonho dos homens
Dedicam-se à poesia porque o mistério, a bruma oprime os olhos claros de ver
É como ovos em castelo que nada falta
Pergunto muito por eles e sei que eles me respondem
Telúrica é a arte das imagens, qualquer livração da luz
Apetece morrer para só a terra nos desposar fremente, virginal
Nestas ilhas nunca se sai de casa, a vegetação é um casulo todo casadoiro
Nupcial é a arte do olhar como se a retina nos queimasse insuportavelmente de beleza
Pode ser um gancho, uma amarra contra o fim dos continentes
Tem estrelas nos olhos de espantar
O mar cerca-nos como o molho no tomate
Tem o gosto das primeiras noites, das noites absolutas de procura
Devia haver um barco mesmo do molhe para as minhas terras
Eu nada possuo sei que há aí o sentido de eternidade que Antero ultrapassou
Queria plasmar o pico, uma fonte, um rio destes de cá uma lagoa amuleto que me
[salvasse a vida e me evocasse o rictus de uma rapariga
Sonhar desenhar no poema, na tatuagem que desprezo, o contorno onde vai sequiosa
[a língua do mar nessas nove ilhas que a beleza até ao [pico do verão as converteu, amar uma mulher que em
[imaculada se prolongou
Faz feliz o mais incrédulo, arrebata-a no anticiclone pelo cabelo
Haver assim gentes e paisagens
Espreguiço-me ente entre as margens
Disso eu cá sei
Francisco Vasconcelos
(Inédito)
[“Chamateia”, J.Medeiros e outros, RTP Açores]
Francisco Carmelo Vasconcelos (1961), professor, açoriano de afeição, é natural de Barcelos, distrito de Braga, onde reside e trabalha.