Ilha de Nanja
Na Ilha que eu amo,
na Ilha de Nanja, que eu tenho no meio do Atlântico,
há veredas de hortênsias,
lagos de duas cores,
nascente de água fria, morna e quente.
Doce Ilha que foi de laranjas
e hoje é de ananases!
Ilha de Nanja.
Robustos homens, que devem ser meus parentes,
levam seus carros de vime
pela tarde de chuva e sol,
de vento e névoa,
porque a Ilha tem todos os tempos em cada instante.
Por uns caminhos chamados canadas,
os homens de carapuça olham a tarde,
como quem não sabe se amanhã está vivo.
Porque a Ilha está pousada em fogo,
cercada de oceano,
e seu limite mais firme é o inconstante céu.
E os homens detêm-se a ouvir vozes de vulcões,
vozes de sereia, vozes de lua,
na Ilha de Nanja.
Na Ilha que eu amo,
na Ilha que eu tenho no meio do Atlântico
todos são muito pobres,
mas já não pensam nisso.
As mulheres tecem panos,
enrolam novelos,
enquanto os maridos estão lutando com as chamas
dos fornos onde cozinham sua louça,
ou tangendo ao longo dos muros
carros e carros de solidão,
com cestos e cestos de silêncio.
Cecília Meireles
Solombra, Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2005
Cecília Benevides de Carvalho Meireles (1901-1964) poeta, professora, jornalista. De ascendência açoriana (micaelense), nasceu no Rio de Janeiro, onde viveu e trabalhou.