AÇORIANIDADE – 55
Armando Côrtes-Rodrigues, Antologia de Poemas (org. E. de Jesus), Arquipélago, Coimbra, 1956.
Céu de chumbo! Escuta… Ave
Maria, cheia de graça…
No seu cantar arrastado
A romaria lá passa…
Acordam ecos da serra,
Ó quanta fé nessa voz!
Numa toada dolente:
Mãe de Deus, rogai por nós!
Ao escutá-la, comove-se
O coração. Que tristeza!
Anda naquelas palavras
Toda a dor da Natureza.
Dor deste céu que sufoca,
Pelos atalhos de lava
Cascalho cortando os pés,
Picanços de silva brava.
Dor desta terra em silêncio,
Quando se põe a tremer…
Falas ocultas da terra
O que estarão a dizer?
Dor de quantos cantando
Choram na voz comovida,
Nas desgraças que sofreram
Os prantos da sua vida.
E o rancho passa. Os romeiros
Dois a dois eles lá vêm…
Na procissão da tristeza
Por esses campos além.
Vêm descalços. Na cabeça
Um lenço grande, enramado,
A saca e as botas ao ombro
E o chaile posto a um lado.
Numa das mãos um bordão
E o terço para rezar,
Ao sol ardente ou à chuva
Não param de caminhar.
E esta Ilha é tão comprida…
Sete dias de jornada!
Não há capela da Virgem
Que não seja visitada.
Senhor Mestre de Romeiros,
Tão velhinho inda ali vai,
Beijam-lhe os outros a mão
Como filhos a seu pai.
Ó procurador das almas,
Reza por minha intenção.
Quantos sois? Eu rezarei
Por quantos no rancho vão.
E junto à voz dos romeiros
Acordam ecos da serra…
Irmãos! Uma Ave-Maria
Pela paz da nossa terra.
Armando Côrtes-Rodrigues (1891-1971) escritor, poeta, professor, nasceu em Vila Franca do Campo, ilha de S. Miguel e residiu e trabalhou na cidade de Ponta Delgada da mesma ilha.
Nota: Crédito Imagem: do fotógrafo Nuno Botelho,In: http://nunobotelhophotography.blogspot.com/2011/03/romeiros-de-sao-pedro-romaria-2011_13.htm