Ilha de S. Miguel
Vejo os romeiros da Semana Santa
Atravessando os campos plo sol-posto:
O cajado na mão; ao ombro, a manta,
E a fé em cada rosto.
Na alba do domingo, assisto
(Ainda luzem estrelas)
À missa cantada ao Senhor Santo Cristo,
Entre a pompa dos oiros, flores e velas.
À porta do Convento da Esperança,
Rezo ao banco de Antero.
A sua alma, em paz, ali descansa,
Depois do tiro do desespero.
E a paisagem bucólica,
Com lagoas de névoas e frescuras,
Melancólica,
Escorre das alturas.
Até onde o olhar se perde,
Vacas pretas e brancas
Mancham o pasto verde,
De úberes túmidos, de pesadas ancas.
Tão alvas e azuis, nas bermas das estradas,
As hortenses floriram os fuzis liberais,
Por serem dessas cores as bandeiras ousadas
Que iriam invadir as areias e os cais.
Enfeitam-na, também, as rosas do Japão
(Vai-lhe bem o cetim!).
E respira da boca do extinto vulcão
Hálitos de Jardim.
Nas Furnas,
Arde o coração da terra.
E, das caldeiras soturnas,
Um fumo sobe, ondula e erra.
Fui ao Nordeste, um dia,
Comer cracas, beber vinho de cheiro,
Enquanto a Ilha bebia
Nevoeiro.
E porque não beber chá
(Chá chinês da Gorreana):
O Oriente que dá
Delicadeza à flora açoriana?
Beber, na estufa, até, um sumo de ananaz
Como um sol ruivo, acre e tropical
Que ao severo da Ilha satisfaz
A sede sensual.
No sabor das bananas, que exotismos!
Verdes, se verdes, depois, doiradas,
Frente a espessuras, prados, abismos,
Fontes, levadas…
Ilha a emergir da espuma,
Sê sinal de salvação:
Traz-me, perdido na bruma,
El-Rei Dom Sebastião.
Couto Viana, Ainda Não, Averno, Lisboa, 2010
António Manuel Gonzales Couto Viana (1923-2010) poeta, dramaturgo, encenador, ensaísta, nasceu em Viana do Castelo, viveu e trabalhou em Lisboa onde faleceu.