Urbano Antero a mulher e o verso que não é
A primeira história do livro de Urbano Bettencourt Que Paisagem Apagarás, intitulada “O comboio inexistente”, convida-nos a viajar acompanhados do narrador e das personagens Antero de Quental e Del Giudice.
Instalados num dos compartimentos do comboio, hão de conversar sobre promover “sessões com os trabalhadores, levando-lhes as luzes da revolução e fazendo-os aderir à grandes causas e noções de hoje”, as utopias do poeta filósofo açoriano, e sobre “uma mulher”, buscada pelo outro cujo nome traz à memória Garibaldi e as lutas da unificação da Itália em que Antero pensara participar, “mulher que saiu de casa atrás de um verso de treze sílabas”.
Fantasias da mulher! Utopias de Antero!
Poema do Urbano (Arganil, Editorial Moura Pinto, 2006):
Antero
O reino que procuro é perdido
e vago, sombra de um sonho inquieto
em que me invento e me desfaço.
Ilhas que foram minhas, as despeço
por sobra de matéria e de concreto
– estorvo de lava, sal, um sol finito
ferindo o puro brilho da Ideia.
Ao rosto que desenho sobre o vidro
responde um outro de perfil incerto
– anjo, demónio, cavaleiro ou morte.
E, neste jogo a que me entrego e lanço,
um fogo me consome em seu amplexo:
fosse eu como os demais, suor e sangue
e sexo!
Curiosas as três sílabas deste último verso dum soneto decassilábico!
Urbano Antero a mulher e o verso que não é!
Olegário Paz