A Antropóloga e o Imaginário Insular Açoriano
Lélia Pereira da Silva Nunes
Poderia começar este artigo adjetivando o roteiro, imagens, arte, montagem, elenco e o cuidado técnico do filme A Antropóloga que entra na sua terceira semana de exibição em Florianópolis com um surpreendente êxito de público e bom número de excelentes e positivas avaliações da crítica especializada e do jornalismo cultural de Santa Catarina.
Poderia ficar aqui enaltecendo as qualidades de seu diretor Zeca Nunes Pires e sua alma sensível dizendo que tudo está na sua herança genética e cultural. Afinal, “o nosso” cineasta Zeca Pires, ilhéu de cá, têm seus antepassados oriundos do Faial e Terceira,ilhas da margem de lá. Filho do ilustre professor Aníbal Nunes Pires,sobrinho-neto dos escritores Eduardo e Horácio Nunes Pires e neto de Feliciano Nunes Pires, escritor, autor da letra do Hino de Santa Catarina,eminente homem público.
Claro está que sua biografia vai além da sua história familiar. José Henrique Nunes Pires, ou “o Zeca Pires”, como é conhecido, é um dos profissionais com produção cinematográfica mais significativa e respeitada de Santa Catarina. Um percurso de conquistas profissionais e de muitas lutas que, de forma inconteste, faz do cineasta e professor Zéca Nunes Pires um homem de cultura. Um ilhéu atento ao seu universo e ao mundo circundante, um observador reflexivo do tecido social, em constante diálogo com memórias suas e de sua gente. Riquezas de um cotidiano insular captadas com acuidade do seu olhar e cuidadosamente espelhadas.
O enredo do longa A Antropóloga constitui um esmerado registro documental deste mundo circundante em que o olhar do Zeca se debruça com extrema sutileza na construção de um filme em que os limites entre a realidade e a ficção são deliciosamente tênues e os valores e crenças telúricas dos ilhéus profundamente respeitados. Talvez, aí resida o fato de ser um filme onde a beleza paisagística está fortemente entrelaçada no imaginário insular e nos mistérios anímicos numa sintonia surpreendente entre os dois universos, num encantamento que mantém em suspense o público perfeitamente identificado com a trama desenrolada no telão.
O amuleto, uma miniatura do Monumento aos Baleeiros da Vila das Lajes do Pico, que a antropóloga Malú ( a atriz Larissa Bracher que vive Malú está ótima no seu papel e no sotaque açoriano apreendido com a terceirense Adélia Ormonde ) leva consigo, representa o portal entre o real e o irreal.
Elo percebido na cena do confronto final entre Malú (Larissa Bracher) e a bruxa para salvar da morte ou do “empresamento bruxólico” a menina Carolina. Uma ambigüidade presente e ricamente construída em todo filme.
Também, não é menos verdadeiro, que o próprio filme descortina janelas para o mundo mostrando as tradições de gente que carrega a ilha dentro de si, que deixa transparecer no olhar a comunhão do seu chão com o mar e com a sua Lagoa da Conceição. Este é o sentimento que perpassou ao observar as diferentes reações e comentários de pessoas que assistiram o filme desde a sua estréia no dia 29 de abril último. Surpresas e surpreendidas com o enredo tão caseiro elas reconhecem mundivivências pessoais na plenitude da memória coletiva, na cumplicidade de costumes e crenças que fazem parte desse imaginário ilhéu retratados com simplicidade nos muitos excertos de depoimentos dos moradores antigos da Costa da Lagoa. Palavras ditas com a sabedoria de quem conhece o movimento das marés, o sussurrar tinhoso do vento sul e a humildade de quem nasceu junto ao mar.
Cont…
______________________________________________