A FILHA DAS NEVES
Sérgio da Costa Ramos
Quem subiu a Serra, colheu a beleza do inverno em Santa Catarina e fotografou na retina o algodão cristalizado debruando a montanha, numa paisagem que tanto poderia ser capa de barra de chocolate suíço ou um conto de Jack London, talvez aquele que o célebre escritor intitulou A Filha das Neves.
Se durasse muito, com o rigor de sua atmosfera gelada, o inverno catarinense poderia ser um general perverso, como foi a congelada estepe russa para os exércitos de Hitler. Mas nossos invasores, ao contrário, são extremamente simpáticos. Brasileiros embrulhados em lãs, vindo das praias cariocas, das dunas de Salvador ou dos meandros do Rio Capibaribe, no Recife.
Os brasileiros puderam conhecer Santa Catarina – e passaram a amá-la, no verão ou no inverno. A Santa é bela em qualquer estação – mas é única no inverno, quando desce sobre a araucária serrana a inefável maquiagem branca, paisagem inesquecível para residentes e turistas.
Finalmente, os adventícios puderam ser apresentados ao inverno nevado de São Joaquim e Urubici, e – bênção suprema – puderam testemunhar a copiosa neve que coroou o Morro da Igreja e toda a Serra do Rio do Rastro, monumento catarinense talhado pelo cinzel do Senhor, em momento de rara inspiração.
Entre Floripa e Laguna, no sopé da Serra, há mais paisagens marinhas do que em toda a obra de Pancetti, mais beleza do que em toda a Galeria degli Ufizzi, em Florença, e uma sucessão comovente de praias brancas, dunas, promontórios, restingas, costões de pedra nua e lagoas sensuais, umbigos de mar encravados em terra firme.
Dali, do Litoral Sul, ergue-se, de repente, o altar da grande Serra – e o homem fica mais perto de Deus e das neves. São apenas 130 quilômetros de uma estrada íngreme, entalhada na rocha, que vai até os campos nevados de São Joaquim, Urubici, Urupema e Lages. Na escarpa desse grande “ostensório” natural, sobe-se 1.450 metros em apenas 12 quilômetros, “coleando” montanha acima.
No alto da Serra, pede-se a bênção ao Morro da Igreja, nosso Mont Blanc, e enxerga-se, nos dias claros, as praias da Laguna e o colar das dunas de Itapirubá.
Diante de tanta beleza, o Senhor concedeu em distribuir aos visitantes a sua eucaristia em forma de neve para que cada um provasse um pouquinho, todos devidamente aquecidos por toucas, suéteres de pura lã e grossos anoraques, o casacão peludo dos esquimós.
O bom é que amanhã o frio vai embora e a beleza fica. Verde, exuberante e ecológico como um verso de Garcia Lorca.
Deus mora aqui. No litoral ou na montanha, Ele abençoa a sua Santa predileta.
Santa Catarina. De véu branco.
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Nota: O Autor SÉRGIO DA COSTA RAMOS é advogado, escritor, membro da Academia Catarinense com uma extensa produção literária. É um dos mais conceituados e talentosos cronistas brasileiros.Sua coluna de crônicas que assina para o Diário Catarinense é um dos espaços mais lidos e prestigiados da imprensa de Santa Catarina.
Crédito Imagem: Marília Oliveira,A.Imprensa de Urupema,publicada no Diário Catarinense de 04/8/2011.