Nota: 1.As imagens que ilustram esta matéria sobre a Festa do Divino Espírito Santo são de autoria do jornalista Celso Martins, e estão publicadas no seu Blog Sambaqui na Rede 2. Agradeço ao prezado jornalista o uso das imagens.
2. Quanto ao texto é um excerto do capítulo Uum olhar sobre a Festa do Divino em Santo Antônio de Lisboa do livro “Caminhos do Divino,um olhar sobre a Festa do Divino em Santa Catarina”, Editora Insular,Florianópolis, 2007, 2010
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A festa é realizada por uma Comissão Organizadora responsável por toda a estrutura funcional, planejamento e execução da programação cultural e religiosa, formada pela Diretoria da Irmandade do Divino Espírito Santo e Nossa Senhora das Necessidades, presidida pelo Vigário Paroquial e administrada pelo Provedor, tendo à frente o Casal Imperial.
Uma programação que prima pelo respeito às tradições açorianas, pelo louvor a Padroeira e pelo fervor ao Espírito Santo, como puderam testemunhar as autoridades do Governo Regional dos Açores e da Universidade dos Açores, presentes na festa do ano de 1996, ao participarem do Cortejo Imperial e da missa solene no entardecer de domingo que encerrava os festejos e anunciava o início de um novo ciclo do Divino com a transmissão da Coroa e Cetro ao novo Casal Imperial.
No ano de 1935 foi introduzida a cerimônia de coroação da Nossa Senhora das Necessidades pelo Pároco Pe. Bernardo Bläsing que por desconhecer as tradições locais e não aceitar os rituais da Festa do Divino resolveu impedir a coroação do “menino-Rei”. Já que não se podia coroar o “menino-Rei” coroa-se a Nossa Senhora, decidiu o Imperador daquele ano. Os moradores não podiam concordar com a interferência direta do pároco no costume secular da freguesia: a imposição solene da Coroa do Divino ao “menino-Rei”, uma herança de seus antepassados açorianos e que constituía a essência do festejo. Afinal, a Festa do Divino é promovida pelo povo e sua realização independe da aceitação ou não de qualquer autoridade seja ela religiosa e civil. Todavia, a comunidade aceitou a instituição da cerimônia de coroação de Nossa Senhora das Necessidades e a mesma passou a integrar a ritualística da Festa. Assim, na missa do sábado coroa-se a Padroeira e no domingo, na missa das 10:30 horas, o menino-Rei é coroado pelo pároco.
No domingo, após a missa da coroação, o Casal Imperial e toda a Corte, tendo a frente o Rei e a Rainha, seguidos de damas e pajens, todos ricamente vestidos em trajes reais, são conduzidos para o Salão Paroquial onde num local ornamentado com requinte de uma sala de trono, representando o antigo Império ou teatro, pequena construção próxima a Igreja que abrigava as alfaias do Divino, e que foi demolida em 1956, recebem os cumprimentos dos devotos que beijam a pombinha do Cetro de prata que está nas mãos da menina-rainha e beijam a Bandeira do Divino. Ao lado do Trono estão as massas de promessas moldadas em forma da parte do corpo que motivou o ex-voto e que foram depositadas no altar da capela para serem abençoadas e que agora serão vendidas. Neste salão é servido o almoço festivo de confraternização e de integração, vendido a baixo custo para oportunizar a participação dos moradores e visitantes neste momento de convívio comunitário.
No final da tarde de domingo, mais uma vez, as porta-bandeiras abrem caminho para a passagem do Cortejo Imperial, acompanhados do Pároco e da Irmandade, sob os acordes da tradicional Banda Sociedade Musical Amor à Arte e seguem para a Igreja onde assistirão a Missa de encerramento da festa, a divulgação do novo Casal Imperial e dos juízes do próximo ano. A transmissão da Coroa do Divino, o Cetro e a Bandeira assinala a posse do Casal Imperial que presidirá as festividades do ano seguinte.
No adro da Igreja e nas ruas circundantes a festa popular continua com muita animação na grande barraca armada para as apresentações folclóricas e shows musicais e nas inúmeras barraquinhas que vendem comida, bebida e promovem sorteios de prendas e bingos noite adentro e com grande participação da população.
A festa de 1998 foi um divisor na organização da festividade ao trazer à tona sua história e seus valores culturais partilhados com muito orgulho e influenciando de forma muito positiva a vida comunitária. Uma mudança social e cultural amplamente debatida em inúmeras reuniões com as lideranças e grupos da comunidade. Uma mudança nascida do consenso, do desejo de não deixar morrer a sua memória e que buscou nas suas raízes o jeito certo de mantê-las fortalecidas, mesmo que tenham que (re)inventar a sua tradição para recuperá-la e transmiti-la com dignidade para as novas gerações. Uma cadeia de heranças culturais e maneiras de ser e estar na freguesia que vem passando por sucessivas gerações.
Na Festa do Divino de 2003 uma comitiva da vila da Madalena, da lha do Pico, chegou a Santo Antônio de Lisboa, na Ilha de Santa Catarina: a Sociedade Filarmônica União e Progresso Madalense, um grupo com cerca de sessenta componentes, entre músicos, dirigentes e familiares, a Vereadora da Cultura da Câmara Municipal da Madalena, Maria de Lourdes Silva e o Pároco da Igreja Matriz Santa Maria Madalena, Padre Marco Martinho.
Uma visita que ficou na história e no coração dos catarinenses e dos picarotos e fortaleceu laços de amizade e de fraternidade entre os herdeiros de um mesmo legado histórico e cultural. A maior prova dessa íntima relação com os ilustres visitantes da Ilha do Pico, é a biografia do Padre Lourenço Rodrigues de Andrade, o brilhante padre, vigário, professor, líder político, primeiro deputado catarinense e senador do Império, que sendo natural de Sambaqui, onde nasceu a 2 de agosto de 1762, era filho de pais açorianos. Seu pai nasceu na Ilha do Faial e sua mãe na freguesia da Madalena, na Ilha do Pico.
A comitiva açoriana acompanhou o Cortejo Imperial, na noite de sábado, participando da Missa Solene e assistindo a cerimônia de coroação da Imagem de Nossa Senhora das Necessidades. Uma noite compartilhada num clima de confraternização popular e encerrada com a tradicional queima de fogos de artifício.
Nada significou tanto como o ritual do domingo de manhã para os moradores de Santo Antônio e para os visitantes da Madalena do Pico. Uma manhã ensolarada, o povo nas ruas, bandeirolas vermelhas e brancas tremulando ao longo do Caminho dos Açores desde a residência do Provedor da Irmandade. Os sons harmônicos e uníssonos das bandas musicais irmãs, Sociedade de Amor à Arte, a centenária Banda de Florianópolis, e a Sociedade Filarmônica União e Progresso Madalense, da Ilha do Pico, engalanadas em seus uniformes e em passo solene faziam vibrar seus instrumentos em dobrados que ressoavam pelos céus de Santo Antônio de Lisboa.
A Igreja de Nossa Senhora das Necessidades resplandecia com a capela-mor, os altares laterais, teto, bancos e corredor central, decorados na cores branca e vermelha, símbolo do Espírito Santo. Chegara o instante da realização da Missa Solene de Coroação do Rei à moda da Freguesia de Santo Antônio e à moda da Ilha do Pico.
No momento da imposição solene da Coroa do Divino, ao som do Veni Creator Spiritus, quando Pe.Aquilino coroou o Rei e Pe.Marcos o maestro da Filarmônica, Manoel Machado, sentia-se o tempo respirar lentamente como se ficasse suspenso. Sim, como se, finalmente, o tempo tivesse sido amarrado entre o agora e o outrora. Entre nossas memórias de ontem e de hoje e bem vincadas nas artérias que correm direto por caminhos, geografias e histórias dos afetos de tantas gerações. Ficou, apenas, um único espaço. Este, no seio da Igreja, intensamente partilhado, vívido, reconstituindo imagens e feições do festejo de outrora para lá do palimpsesto do tempo.
No ano de 2005, quando do lançamento of
icial da Festa do Divino, novamente as margens desse grandioso Rio Atlântico, no dizer do escritor Onésimo T.Almeida, se aproximaram com a vinda, lá da cidade de San Jose, estado da Califórnia (EUA), da comunidade açoriana nascida da diáspora, do “Grupo Folclórico Tempos de Outrora” que, ao som da viola da terra tangida por Hélio Beirão, mostraram suas danças e tradições e se encontraram nas histórias de vidas de seus antepassados emigrantes, na mesma herança cultural, no sentimento de fraternidade e na comunhão do mesmo louvor ao Divino Espírito Santo.
Este é um breve historial da festa do Espírito Santo de Santo Antônio de Lisboa,na Ilha de Santa Catarina.
Este ano de 2011, a festa que tem inicio nesta semana repetirá os mesmos rituais. E,no próximo domingo,na Missa de transmissão da Coroa do Divino ao novo Casal Imperial acontecerá a renovação de um compromisso firmado perante toda a gente da freguesia de Santo Antônio de Lisboa. Idêntico compromisso que se faz ouvir no centro de Florianópolis, na Capela do Espírito Santo, no Ribeirão da Ilha, no Pântano do Sul, no Rio Tavares, no Campeche, na Lagoa da Conceição, na Barra da Lagoa, no Rio Vermelho, em Canasvieiras, no Monte Verde, na Trindade, no Estreito, por caminhos do Divino abertos pela Ilha de Santa Catarina e continente fronteiriço.
Trilhá-los é reacender junto ao espelho da memória coletiva parte de um caminho do passado de todos nós, imagens de realidades de agora. Este “agora que é o ápice do tempo” como cantou o poeta Luís Jorge Borges.
Abaixo a letra popular da Bandeira do Divino cantada por todo o Brasil
“Bandeira do Divino
(Ivan Lins)
Os devotos do Divino
vão abrir sua morada
pra Bandeira do Menino
ser bem-vinda e ser louvada,ai, ai.
Deus vos salve esse devoto
pela esmola em vosso nome,
dando água a quem tem sede,
dando pão a quem tem fome,ai,ai.
A Bandeira acredita
que a semente seja tanta,
que esta mesa seja farta,
que esta casa seja santa,ai,ai.
Que o perdão seja sagrado
que a fé seja infinita,
que o homem seja livre,
que a justiça sobreviva,ai,ai.
Assim como os três Reis Magos
que seguiram a estrela guia,
a Bandeira segue em frente,
atrás de melhores dias,ai,ai.
No estandarte vai escrito
que Ele voltará de novo.
que o Rei seja bem-vindo,
que Ele nascerá do povo, ai,ai. “
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