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Imagem de O Mito Açoriano ou a Constatação de uma Natureza Animal – Irene de Amaral
Comunidades 09 set, 2011, 18:43

O Mito Açoriano ou a Constatação de uma Natureza Animal – Irene de Amaral

    
            O Mito Açoriano ou a Constatação de uma Natureza Animal - Irene de Amaral 

O Mito Açoriano ou a Constatação de uma Natureza Animal 

     John Gillis em Islands of the Mind (2004) refere a importância dos isolários na formação do pensamento atlântico da época do Renascimento. Estes documentos desenhavam o universo de cada ilha, permitindo assim a projeção das emoções dos continentais europeus à época (43). Também Vitorino Nemésio em Mau tempo no Canal releva a especificidade das Ilhas açorianas, entre o culto ao Divino Espírito Santo e os isolários, destacando o autor a importância que a imagem da ave tem na representação dos Açores. Desde logo, são as associações inspiradas pelo símbolo columbino do culto, mas Nemésio chega mesmo a recordar a designação das Ilhas nos documentos registados em Maiorca ou na Veneza de outros séculos, as “Insula Columbi…Insula di Corvi Marini… Primaria sive Puellarum…” (185). Daí à verdadeira definição pessoal dos seus Açores, toda feita de uma memória sentida da primavera das Ilhas, é apenas uma questão de tradução. As Ilhas dos isolários adquirem então o sentido das memórias saudosas: “…Ou Ilha das Meninas. Um bando delas, em filas que semeiam os caminhos de rosas e madressilva, levam o ‘emblema do Divino Espírito Santo’ a casa do pobre e do rico” (185). Assim mesmo, a ilha passa a ser a de Nemésio, a sua ilha das meninas em grupo nas manhãs perfumadas de ervas aromáticas e gastas na experiência de solidariedade, em que o Espírito Santo colocava ricos e pobres ao mesmo nível.
     Quatro anos antes, em 1940, Nemésio já demarcara em francês a sua perceção da especificidade açoriana num passo à frente dos seus “Açorianidade” de 1932. Isto é, em “Le mythe de M. Queimado” apresentado em Nice estão definidas as implicações de se ser açoriano. Trata-se de uma experiência não-universal, não-europeia, anti-humanista e estritamente privada, porque emergente das vivências insulares (403), até ao ponto de se temer o processo analítico de uma tal condição de vida pela exposição pública (i). Afinal, relembra que “L’universel finit par tuer, en l’absorbant, ce qui voudrait le fuir. Le singulier se détruit chaque fois qu’il s’attire des regards” (403). (Monsieur/Mateus) Queimado, cujo nome de família significa Açor, é o cicerone com nome de ave que partilha com Nemésio várias circunstâncias de vida. Conheceram-se há uns anos atrás quando tinham vinte e cinco anos e são ambos açorianos, naturais da mesma ilha, uma vez que M. (Monsieur/Mateus) Queimado “escolheu” nascer onde foram avistadas pombas, cujos géneros masculino e feminino constituem em si mesmos diferentes espécies (404). A sua propensão criadora do mito do homo açorensis revela uma vocação poética apesar de se empregar no Observatório Meteorológico em Ponta Delgada. E é da residência de M. Queimado que decorre a grande diferença entre Nemésio autor e Nemésio alter-ego. Nemésio saiu das Ilhas e se regressa, subsiste nele um certo enfado perante a ilha-ovo coroada de nevoeiro, confirmado pela afirmação de que “D’ailleurs ces îles me fatiguent,” “j’en ai assez” (415). O mito do Senhor Queimado é também a perceção lúcida do açoriano em 1940. Esse homem/mulher tem a noção da sua pouca importância, mas também do seu mistério; enfim, da sua rasura de uma pertença macaronésica para que seja possível ser único:

     L’idée d’une Atlantide engloutie dans les eaux, dont les Açores, les Canaries, Madère et le Cap Vert n’eussent été que les sommets d’une cordillère affaissée, le mettait en colère, car elle ruinait la possibilité d’une structure açoréenne autonome et le mythe de l’homme açoréen sans ancêtres, le mythe de M. Queimado. (406)

     Dizê-lo e contá-lo em francês é simultaneamente rasurar um mito e verter-se numa outra origem, falando para um público académico em Nice. Este é o mito da pomba e do seu ovo, sempre ao alto e discretos.
     Por outro lado, uma tal circularidade não depende apenas da geografia ilhoa. Antes, deve-se a uma imposição da natureza animal junto do indivíduo “avec toute la fraîcheur, tout le pouvoir de création, de disponibilité, de risque, dont elle était pourvue dans les premiers jours du monde” (407). A pouco e pouco o autor sente que literalmente rola na direção da aceitação do mito açoriano. E numa sofisticada tournure de inspiração pascaliana – “ni homme ni pigeon” – M. Queimado vai desenvolver o seu argumento da especificidade açoriana, pela tradução diferida de “nem homem nem pombo.” É de facto na recusa do tratamento como pombo e pela essência do feminino que o homo açorensis se define (409). Ao alto do Peneireiro, escondida entre as rochas está a chave do mistério:

     Le petit solide moucheté n’était pas du tout abstrait ni obtenu par métaphore. C’était tout bonnement ce qui restait d’une ponte de colombe sauvage, trocaza laurivora. Et sa solitude dans ce nid abandonnée m’effrayait. La colombe survolait l’enceinte du rocher et osa même s’abattre un moment si près de nous que le second, s’il y avait été, n’aurait pas manqué cette fois un grand coup de fusil. […] M. Queimado observa alors qu’il considérait trocaza laurivora comme la plus maternelle parmi les colombes des îles. (413)

     Machado Pires, comentando este texto de Vitorino Nemésio de 1940, interpretá-lo-á como “o mito das origens elas mesmas, do início ab ovo do homo açorensis” (“O mito de Monsieur Queimado: Uma imagem mítica dos Açores” 90).
     E do silêncio, da interioridade e independência da fêmea animal e humana no processo de gestação advém a peculiaridade açoriana, porque quer as fêmeas humanas quer a ave fêmea partilham a mesma atitude, “leur pensée se fait tranquille et appliquée par l’amour comme la femelle d’un oiseau qui ne bouge plus quand tout est rond et parfaitement lissé sous son plumage” (413).
     Roland Barthes defende que o mito, ao propôr-se em substituição da história, funda uma identidade clara e feliz, eterna e pura das coisas. E fá-lo situando-se no meio natural; ou seja, “il abolit la complexité des actes humains, leur donne la simplicité des essences, il supprime toute dialectique, toute remontée au-delà du visible immédiat” (Mythologies 231). Mas se em Nemésio a invenção do mito açoriano permitiu recriar a imagem de sonho das Ilhas, por outro lado não deixa de ser um artifício criado para se afirmar um esforço de cidadania. Até porque a leitura da impossibilidade da resolução “nem homem nem pombo” de Vitorino Nemésio em 1940 só pode ser feita em diálogo com discursos que a precedem e outros que se lhe seguiram. Isto é, a confluência da escrita do Pe. António Cordeiro no século XVIII e da de João de Melo no final da década de 80 do século XX vêm também elas iluminar o fim de prazo de um tempo mítico. São visões que levantam a hipótese de que a açorianidade já não consegue ficar suspensa de imagens sonhadas, uma vez que a vida humana nestas Ilhas começou como um projeto moderno do pós-descobrimentos, que teve de se afirmar de forma resiliente ao longo dos séculos da sua formação atlântica e portuguesa. O Pe. António Cordeiro em História insulana das Ilhas a Portugal sujeitas no Oceano Ocidental (1717) incentivara os açorianos a deixarem de se comportar como pombos perante Portugal Continental, que os tratava de forma paternalista: “… deixem pois os ilhéus de ser pombos, não se deixem enganar […] e estimando mais o serem dos primeiros em suas terras, tão nobres, e tão ricos, do que serem em Portugal tidos em menos ainda que segundos…” (525). Esta mesma ideia de sujeição do ilhéu ao Continente é retomada na ficção do n
ordestense João de Melo em Gente feliz com lágrimas (1988), numa angústia açoriana do seminarista Nuno Miguel Botelho que se tornou pombo no seminário do Continente:

     Ia ser um desses dóceis e infelizes pombos, mal entrasse os muros do seminário. Teria de pousar-lhe nos ombros e na cabeça, todos os dias e a todas as horas, e beijar-lhe as mãos, e obedecer-lhe em tudo, e ver que essas mãos me apalpariam os ossos e haviam de espremer-me a alma entre os dedos, até esvaziarem o meu corpo de tudo o que fizera de mim um menino açoriano. (21)

     A memória acompanhá-lo-á na dor da perda de identidade de menino açoriano puro – do menino açoriano com sotaque e vocabulário medieval, do menino inserido num círculo familiar alargado – forçado a viver num universo de vontades viris e indiferentes à condição insular das Ilhas açorianas, e desrespeitadoras da fragilidade da infância. Daí que a personagem Nuno Miguel mantenha pela vida fora essa consciência de ser pombo, “dentro e fora de todos os bandos, de cada vez que me acontecesse atravessar as manhãs, as tardes e as noites e depois extinguir-me à distância, levado pelo vento” (21).

(i) John Gillis dá conta da injusta definição de ilha como espaço isolado, atendendo à abundância de narrativas mitificadoras das viagens medievais e à construção de um espaço atlântico povoado ao longo dos séculos da história europeia depois de quinhentos. Defende o autor que os portugueses foram os desmistificadores dessa fragmentação e mistificação, em contradição com a tese de uns Açores isolados (Islands of the Mind: How the Human Imagination Created the AtlanticWorld 2004). Por outro lado, as duas visões confluem, na medida em que se é comprovável o relato histórico factual, não se pode ignorar o pilar mítico no processo de construção de uma especificidade açoriana ao longo dos séculos, resultante do ponto de vista interior de quem se percebe marginalizado em termos geográficos mas também cívicos.

——

Índice da tese

INTRODUÇÃO

1

CAPÍTULO I: AÇORIANIDADE E AUTORIDADE
1. A Literatura das Ilhas no Processo de Definição da Especificidade
Açoriana
2. Outras Vozes da Discussão acerca da Literatura Açoriana
3. Uma Abordagem à Literatura Açoriana pelo Meio da Mulher
3.1. A Sereia ou a Alma Feminina dos Açores
3.2. A Negociação do Valor da Mulher na Comunidade

CAPÍTULO II: AÇORIANIDADE E FIGURAÇÃO DO FEMININO: UMA DUPLA CONDIÇÃO ANIMAL
1. O Mito Açoriano ou a Constatação de uma Natureza Animal
2. A Contiguidade entre Seres Humanos e Animais nos Açores
2.1. Uma Vida Animal para Se Dizer o Mal Estar
2.2 Tornar-se Pombo ou Pomba para Se Ser Cão ou Cadela
2.3. Para o Discurso da Alegria

CAPÍTULO III: PARA UMA ARQUEOLOGIA DA MULHER NA FICÇÃO
DE VITORINO NEMÉSIO
1. O Posicionamento da Mulher no Meio dos Homens
2. A Mulher no Pensamento de Vitorino Nemésio
2.1. Homens entre Muros
2.2 Mulheres atrás de Muros
2.3 Mulheres à margem do Muro

CAPÍTULO IV: DE VOLTA ÀS MARGARIDAS DO UNIVERSO AÇORIANO DE VITORINO NEMÉSIO
1. A Excecionalidade de Um Nome
2. A propósito de Margarida na Escrita de Autores Açorianos
3. A Negociação entre Uma Família ou Um Eu
3.1. Antes de Se dizer Eu-Margarida
3.2. O Direito a Ser Margarida
CONCLUSÃO
NOTAS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

10
19

23
26
36
42

46
47
52
57
62
71

83
84
90
100
107
120

130
132
140
146
149
156
179
184
191

Irene de Amaral é doutorada em Estudos Luso-Afro-Brasileiros pela University of Massachusetts Dartmouth (2011) com uma tese intitulada “A Emergência da Mulher: Uma Revisão do Conceito de Açorianidade.” O seu currículo académico integra ainda uma licenciatura em Estudos Portugueses e Franceses via ensino pela Universidade dos Açores (1989) e um mestrado em Supervisão Pedagógica na especialidade do ensino de Português pela Universidade de Aveiro (2000).
Nasceu em New Bedford, Massachusetts, EUA. Viveu em S. Miguel, Açores, entre 1973-1999, onde iniciou a sua carreira profissional; tendo desempenhado funções docentes e de administração escolar ao nível do ensino secundário. Regressou aos Estados Unidos em 1999, onde tem lecionado Língua Portuguesa e Culturas Lusófonas no ensino superior e na Escola Portuguese United for Education.

(Imagem de Semy Braga)

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