Carta Décima Terceira
A Alberto Aragão
Meu bom amigo:
À banca do café,
do príncipe dos vates portugueses,
e onde, por vezes,
se toma limonada ou capilé,
a rua espreito:
– Vaidades que se antolham,
prantos ocultos, olhos que não olham,
sorrisos falsos, rir de vício feito…
E todos passam como num ecran:
– O saloio, o nababo, o funcionário,
o cego mendicante, o proletário,
confiados no dia de amanhã.
Misérias que se chocam, à mistura
das podridões da vida!
E invejo-lhe a partida
em busca do contacto co’ a natura.
No campo a vida, tão serena e calma,
tem os eflúvios santos
de quantos
sentem no feito o reflorir de uma alma.
A paz é convosco
quer em fofa poltrona reclinado,
quer ainda em banco tosco,
de pedra, pelo Tempo afeiçoado.
Sim, há cantos de paz na Natureza,
melodias brancas,
portas sem trancas
e sempre posta a mesa.
A chuva é música dos céus…
E, quanto mais ela canta,
Mais bênçãos de Deus
caem em cada planta.
A fonte cresce
E rumoreja…
e mata a sede ao cavador…
Bendita seja!…
Aí o sol até parece
que tem mais brilho e mais calor!
Em toda a manifestação de Vida
vemos erguida
a mão do Criador!
Gozai, pois, os melódicos trinados
das aves em liberdade
lá nas restevas debicando o trigo…
E, meu velho e leal amigo,
saúdo-vos e agradeço
versos a mim dedicados.
Por tão subido apreço,
filho da nossa amizade,
grato se subscreve o…
Júlio Andrade
Júlio Andrade,
Cartas do Meu Sentir, Tipografia Hortense, Faial, 1950.
Júlio Dutra de Andrade (1896-1978), professor, jornalista, poeta, músico, nasceu na cidade da Horta, residiu e trabalhou na cidade natal e em Lisboa onde faleceu.
Painting: “Tapestry” de Joao de Brito.