A desdita de dois contemporâneos de Gonzaga
(da região portuense) nos camínhos da expatriação
Tal ocorria quando os portugueses no Brasil – em particular os missionários da Companhia de Jesus, que ali pretendiam propagar o Cristianismo – vivam uma situação contrária aos seus interesses, ou seja, uma manifesto peródo de perseguição. Veja-se, a título de exemplo, o que sucedeu então – entre tantos outros – com o missionário jesuíta João da Silva, natural de Pousadela, no concelho de Vila da Feira, pertencente à então diocese do Porto .
Essa situação desfavorável aos trabalhos dos jesuítas em terras do Brasil foi também acompanhada, de algum modo à distância, por Gonzaga, na primeira fase dos seus estudos em Coimbra. Ele mantinha alguns contactos, decerto, com alguns intelectuais (e, decerto, com alguns missionários, também) que tinham sido embarcados do Brasil para Lisboa.
Foi esse também o tempo em que José Rodrigues de Melo, portuense e poeta como Gonzaga – não sabendo nós, embora, se terão havido contactos entre ambos – também foi banido, da colectividade brasileira onde vivia, para o Rio de Janeiro e feito seguir, dali, para Lisboa. Seria forçado, pouco depois, a ser expatriado para Roma.
Na capital italiana esse contemporâneo de Gonzaga ainda teve, afinal, a feliz ocasião de assistir à edição em letra de forma, na oficina dos irmãos Puccinellio, de uma sua obra poética, devidamente ilustrada, sob o título De Rusticis Brasiliae Rebus Carminum, Libri IV. Neste trabalho – mais tarde conhecido sobretudo pela referência “Geórgicas Brasileiras” – o autor apresentava alguns poemas referentes à plantação dos arbustos da mandioca e do tabaco e, no final, um outro sobre o fabrico do açúcar no Brasil, de Prudêncio do Amaral (aqui já em reedição) .
Frontispício da obra De Rusticis Brasiliae Rebus
Carminum Libri IV (Geórgicas Brasileiras)
de José Rodrigues de Melo (Roma, oficina dos Irmãos Pucinellio, 1781)
Enquanto isso Tomás António Gonzaga, no Reino (ou seja, na Europa) parecia ter uma sorte muito mais promissora. Cerca de 1761 inscrevia-se na Universidade de Coimbra, mais especificamente na Faculdade de Direito. Em 1768, concluídos esses seus estudos, tinha o título de bacharel em Leis. Tendo pretendido, então, seguir aí o magistério, chegou a preparar aí (presumivelmente para efeitos de provas de ingresso com docente) um Tratado de Direito Natural. Tal não veio, porém, a suceder.
Devidamente habilitado então, para o efeito, foi colocado, como Juiz de Fora, em Beja. A sua permanência nessa cidade alentejana, ao fim de alguns anos, ter-lhe-á trazido alguma monotonia e pretendeu seguir novos caminhos (eventualmente chamado, também, pela ausência da família).
O período de activista de um iluminado que pretendeu
lutar contra as ideias políticas vigentes: um ideólogo
entre o real e um mundo (pseudo-chileno) ficcionado
Em 1782 Tomás António Gonzaga já se encontrava de novo no Brasil. Aí veio a ser nomeado Ouvidor-geral, Corregedor e Provedor das fazendas dos defuntos, ausentes, capelas e resíduos, na Comarca de Vila Rica (Ouro Preto). Para além dos trabalhos que prestava à comunidade, continuavam a germinar nele algumas das ideias de ruptura – em relação ao regime colonial vigente – que, anos mais tarde, lhe viriam a trazer gravosas consequências.
Esse seu primeiro período em Vila Rica, no Brasil, coincidiu certamente com o do estabelecimento de algumas amizades que viriam a perdurar na sua vida. Vejam-se os casos concretos das estreitas e duradoiras relações que manteve, com duas dessas entidades, na região.
A bibliógrafa brasileira, Lygia da Fonseca Fernandes da Cunha , aludindo à obra do Padre José Joaquim Viegas de Meneses, em Vila Rica, explicita bem claramente o facto de ele ser apontado como amigo de Tomáz António Gonzaga e Cláudio Manuel da Costa, como também assinalou um dos Mestres de todos nós, o Prof. Rodrigues Lapa . Aliás já em Coimbra Gonzaga havia poetado (tendo vivido, aí, entre alguns dos escritores mais ilustres da sua geração) .
Os amores do Ouvidor portuense pela jovem Maríilia
e os versos cristalizadores de uma relação interrompida
Foi precisamente em Vila Rica que Tomás António Gonzaga também veio a conhecer, e a nutrir respeitáveis sentimentons amorosos, por uma jovem, Maria Doroteia Joaquina de Seixas Brandão, que rondava os 16 anos. Pesava então para ele (ou não) – ao contar c. de 38 anos – a grande diferença de idades? É um facto incontornável que ele pretendeu, desde muito cedo, junto da família da mesma, contrair o respectivo matrimónio.
Aspecto da residência onde, nesse último quartel do século XVI
residia com sua família a jovem Maria Doroteia Joaquina de Seixas Brandão
Numa fase inicial, testemunham os seus biógrafos, essa união parecia aos ascendentes da pretendida, como algo meramente impensável. Nesse facto pesavam, entre outros aspectos, também, o de ele ser um homem sem fortuna. A pouco e pouco, porém, foram prevalecendo os argumentos do Ouvidor portuense, que o seu matrimónio com essa donzela – depois do seu pedido oficial nesse sentido – chegou a estar marcado para Maio de 1789.
A veia poética do Ouvidor portuense, em Vila Rica, passou assim a encontrar eco numa outra destinatária. Essa lírica de Dirceu – estudada em rigor, para além de Rodrigues Lapa, por Fernando Cristóvão – passou, de um tempo activo a um tempo passivo, motivado pela distância (esta por sua vez provocada pela política, como iremos ver um pouco adiante). O que é certo é, no mais profundo do poeta também se encontrava, de algum modo, em ebulição, aquele intelectual que gostava de ver o seu Brasil mudar.
Um Brasil setecentista em mudança e a problemática
das Cartas Chilenas atribuídas a Tomás António Gonzaga
Para além das suas funções oficiosas, Tomás António Gonzaga – tal como viria a suceder, cerca de três décadas depois, com uma outro intelectual português,o cientista João Bonifácio de Andrade e Silva – este iluminado já se encontrava marcado pelas ideias europeias de mudança, que havia trazido de uma Europa já em ebulição.
O discurso do poder, tal como se perspectiva na acção dos quadros portugueses que ali representavam o governo sediado em Lisboa, encontrou nele a postura de um lutador contra o status quo que, na sua óptica, se impunha ali alterar.
Nesse período setecentista, na segunda metade da década de oitenta, um dos primeiros pontos que atestam da viragem de Tomás António Gonzaga por um Brasil, colonial embora, mas diferente, foi o de uma compilação de epístolas, ou seja, as Cartas Chilenas. Rodrigues Lapa estima que essa colectânea de textos tenha sido redigida entre fins de 1786 e começos de 1787. A contrabalançar com esse parecer, Afonso Pena Júnior sustenta que tal terá sucedido já entre 11 de Julho de 1788 e 23 de Maio de 1789 (aquele mestre português considerou aquele período como tendo sido «dedicado pelo autor anónimo à revisão e emenda do texto» ).
Tratou-se de uma colectânea de 12 cartas, subscritas pelo nome de Critilo (aliás T. A. Gonzaga), que se pretendia residindo em Santiago do Chile. Nessas epístolas, em poesia satírica – que circularam em Vila Rica, efectivamente, um pouco antes do movimento da “Inconfidência Mineira”, de 1789 – eram denunciados os desmandos do governador “chileno”, [aliás do Brasil], Fa
nfarrão Minésio, D. Luís da Cunha e Meneses. Essas epístolas foram endereçadas, precisamente, ao já referido Cláudio Manuel da Costa, pretensamente residente em Madrid. Tratava-se, no fundo, de um amplo poema que se apresentava como uma prova cabal de oposição ao regime colonial vigente.
A principal desdita na vida de Tomás António Gonzaga – mas que eventualmente terá pesado na sua imortalidade, enquanto sujeito, e na da sua obra – foi ter associado o seu nome aos revoltosos da designada por Inconfidência Mineira. Tratou-se, como é sabido, da primeira movimentação, ocorrida em Minas Gerais, em 1789, associada a uma pretensa independência do Brasil .
Nessa acção política estiveram implicados, entre outros, para além de Tomás António Gonzaga, os poetas Cláudio Manuel da Costa e Alvarenga Peixoto. Qualquer deles veio a pagar bem caro, a tal respeito, as suas frontalidade e coragem, pelo seu amor ao Brasil.