O Deus dos Últimos
***
Santos Narciso
Este ano tive um presente de Natal muito especial.
Um presente que senti, vivi e interiorizei. Veio da Editora VerAçor e foi, naturalmente, um livro. Mas livros… recebi muitos à roda do ano e no Natal porque muitos
são os que conhecem a minha paixão pela leitura e de um modo particular pela leitura de coisas que se escrevem nestas ilhas. Este presente de Natal foi diferente e único porque é um livro diferente e, para mim, único na sua essência.
Daniel de Sá é o seu autor e sabe bem do que falo.
“O Deus dos Últimos” foi por mim aberto com muito cuidado. Eu não quis que acordassem sobressaltados os personagens que dormem nos quarenta anos de memórias que encerram as suas páginas. Eu sinto-me um bocadinho (nem que seja o último) parte daquele livro.
E se ele encerra os contos de Natal que Daniel de Sá escreveu no jornal “Correio dos Açores”, eu não podia estar mais presente.
Todos os anos, aí pela Senhora da Conceição, o mesmo telefonema, vem aí o Suplemento de Natal, e sempre a mesma resposta, com cheiro a musgo fresco de presépio e a criptoméria cortada para a árvore, nem que fosse roubada, em soma de pecados a descontar no
sermão da Missa do Galo: “se a inspiração chegar, lá terás o meu conto”… E tinha, sempre, ou uma Lenda de Reis, ou uma Boneca muda, uma Boneca que chora, ou ainda cenas tão reais daquele Belém distante Onde só nascem cordeiros e se viu A luz que guiou os Magos.
Noutros anos, O Daniel de Sá, fi cava-se mais por casa e era capaz de dar A bebedeira ao Pai Natal, o mesmo Pai Natal sem reforma. Sempre chegava o conto escrito no “castelo” de onde ele não gosta de sair, da sua Maia (de São Miguel). Se me falhasse o conto de Daniel de Sá, falhava-me a plenitude do Suplemento do Correio dos Açores. E foi tão bom, tão bom mesmo, ouvir o Daniel de Sá dizer-me que o seu Natal não fi cava completo se não tivesse o conto no “Correio dos Açores”.
Vejam lá, depois disto, se não tenho motivos mais que sufi cientes para me alegrar com este “Deus dos Últimos” que reúne os contos destes anos, contos que li e saboreei, alguns que revi, não fosse passar algum “bichinho”, quando ainda eram compostos à Guttenberg, os caixotins de tipo alinhados na ofi cina na Rua dos Mercadores, ou no matraquear das Linotypes. Para o
Daniel de Sá “gralhas” não entravam nos seus contos.
Para “bichinhos”, bastavam os cordeiros do presépio ou o cão do dono das Botas de Van Gogh!
Por tudo isto, e mais ainda porque Daniel de Sá é Daniel de Sá, naquela escrita que tanta cultura contém, embrulhada na simplicidade da linguagem do povo que só quem é povo sente, este “Deus dos Últimos” esteve
estes dias todos à minha mesa-de-cabeceira, num Natal
de tantos Natais ali retratados e perpetuados.
Resta-me acrescentar – não era preciso, mas faço-o
à mesma – que para além do conteúdo, o livro é lindo.
A VerAçor esmerou-se e saiu uma obra perfeita, onde
se misturam os negros basálticos e os vermelhos-sangue em tons de Natal, texto sugestivamente dividido
a dar-nos a sensação de estarmos a folhear um álbum
que em cada página ressuscita recordações e lindas
lições, sempre com o mesmo pano de fundo: “eis que
um Menino nos foi dado.
____________________________________________
Sobre José Manuel dos Santos Narciso:
Diretor Adjunto do Correio dos Açores com frequência assina artigos de opinião, recensão ou crônicas nas páginas do Correio dos Açores ou do Atlântico Expresso.
Na sua escrita elegante transparece a franqueza de ideias que defende com a mesma frontalidade com que fala de suas crenças,valores, religiosidade, bens culturais,do cotidiano de sua Ilha. Assim,também, se debruça com todo sentir a falar de um livro que acaba de sair cujo autor é o escritor e amigo Daniel de Sá a quem muito preza na lealdade da amizade,pela comunhão de pensamentos e na admiração do leitor.
Santos Narciso, nasceu na Ribeira das Tainhas,na Ilha de São Miguel.
Formado em Filosofia,fala Língua portuguesa, Língua inglesa, Língua francesa, Latim e Língua grega.
Santos Narciso é para todos que o conhecem um grande exemplo de “superação” e de fé.