Oito Anos sem o Poeta Emanuel Félix
(1936-2004)
Poeta, ensaísta, cronista, crítico literário e de artes plásticas. Natural de Angra do Heroísmo,Ilha Terceira.
Fez seus estudos em Angra, no Liceu e na Escola de Magistério Primário.Mais tarde estudou restauro de obras de arte no Instituto José de Figueiredo e na Fundação Gulbenkian e estudos superiores especializados em restauro científico de obras de arte no Instituto Francês de Restauro de Obras de Arte de Paris, na Escola Superior de Belas-Artes de Anderlecht e na Universidade Católica de Lovaina.
Publicou centenas de artigos em jornais e revistas. Está representado em numerosas antologias poéticas e esteve ligado de perto aos movimentos culturais locais. Fundou e codirigiu a revista Gávea. Foi codirector da revista Atlântida, do Instituto Açoriano de Cultura,cuja diretoria participou por vários anos. Membro do Instituto Histórico da Ilha Terceira. Foi homenageado pela CM.de Angra do heroísmo; distinguido com o grau de Oficial da Ordem do Mérito; postumamente, com o grau de Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique e com a Insígnia Autonómica de Reconhecimento.
Emanuel Félix estréia como poeta com o premiado título O Vendedor de Bichos,combinada com uma delicada intensidade emotiva.” no qual revelava uma voz ímpar e inovadora. “O seu nome tornou-se mais do que todos uma referência incontornável na poesia escrita nos Açores, mas, muito mais do que isso, alcandorou-se aos níveis mais altos da poesia nacional. A sua poesia evidencia um fino esmero estético e uma grande maestria e pureza estilística.
Da sua produção literária cita-se: Vendedor de Bichos (Poesia) Lisboa, 1965; Angra no Último Quartel do Século XVI, Angra do Heroísmo, 1967; A Palavra O Açoite (Poesia) Coimbra, 1977; A Viagem Possível (Poesia, 1965/81) Angra do Heroísmo, 1984; Seis Nomes de Mulher (Poesia) Angra do Heroísmo, 1985; António Dacosta – Esboço de um Roteiro Sentimental, Angra do Heroísmo, 1988; O Dragoeiro (Dracaena Draco da Macaronésia) Chave da Grande Obra em Jerónimo Bosch, Angra do Heroísmo, 1988; Conceito e Dinâmica do Património Cultural, Angra do Heroísmo, 1989; O Instante Suspenso (Poesia) Angra do Heroísmo, 1992; A Viagem Possível (2ª edição refundida e actualizada) Lisboa, 1993; Os Trincos da Memória (Ficção Narrativa) Ponta Delgada, 1994; Iconografia e Simbólica do Espírito Santo nos Açores, Praia da Vitória, 1995; Habitação das Chuvas (Poesia), Angra do Heroísmo, 1997.
Por ocasião do 50º aniversário da sua estreia literária, a Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Angra do Heroísmo organizou uma grande exposição comemorativa. Dessa exposição foi editado o catálogo Emanuel: 50 Anos de Palavras (1952-2002).
O ano de 2003 marcou a saída de Emanuel Félix: 121 Poemas Escolhidos(1954-1997), numa edição das Edições Salamandra, uma riquíssima coletânea de seus poemas ou melhor: “ o seu testamento poético”.
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Dois poemas …
ELEGIA
Quando a manhã rasgou o coração do poeta
voavam pássaros dos teus ombros
e o tempo era uma laranja azul
rolando nos teus dedos meninos
Quando a manhã rasgou o coração do poeta
colhias no jardim os versos puros
da primeira canção
Quando a tarde chegou ao coração do poeta
com flores breves e conchas
desenhavas
nas horas quase brancas
teu caminho de abelha
Ah mas o sol morreu no coração do poeta
e uma andorinha tristemente vem
com um ramo de vento
pairar a tua ausência
(In A viagem possível,Colecção Gaivota, SREC. 1993)
FIVE O’CLOCK TEAR
Coisa tão triste aqui esta mulher
com seus dedos pousados no deserto dos joelhos
com seus olhos voando devagar sobre a mesa
para pousar no talher
Coisa mais triste o seu vaivém macio
p’ra não amachucar uma invisível flora
que cresce na penumbra
dos velhos corredores desta casa onde mora
Que triste o seu entrar de novo nesta sala
que triste a sua chávena
e o gesto de pegá-la
E que triste e que triste a cadeira amarela
de onde se ergue um sossego um sossego infinito
que é apenas de vê-la
e por isso esquisito
E que tristes de súbito os seus pés nos sapatos
seus seios seus cabelos o seu corpo inclinado
o álbum a mesinha as manchas dos retratos
E que infinitamente triste triste
o selo do silêncio
do silêncio colado ao papel das paredes
da sala digo cela
em que comigo a vedes
Mas que infinitamente ainda mais triste triste
a chávena pousada
e o olhar confortando uma flor já esquecida
do sol
do ar
lá de fora
(da vida)
numa jarra parada
A Palavra O Açoite (1977)