ADEUS, ANTONIO TABUCCHI!
Meu querido Antonio: lembras-te do dia em que me telefonaste, urgente e aflito, para que fosse ter contigo a tua casa? Precisavas de um conselho meu. E de comer comigo. E de estar em silêncio, se fosse preciso. Ou de te irares dando um murro na mesa contra o mundo ultrajado da mesquinhez, da mediocridade, do puro oportunismo. Eras um escritor de causas, como hoje há poucos. Atento como um lobo à classe política do teu país, a Itália, que, dizias tu, “todos os dias perde a alma e nem sempre a recupera no dia seguinte”.
(Podia evocar dezenas de momentos, encontros, telefonemas, coisas ditas por escrito, a tua casa portuguesa, os teus incitamentos, a fraternidade do teu braço no meu ombro – mas isso faz parte da nossa reserva, e continuará entre nós).
E lembras-te do nosso encontro em Madrid, no Instituto Italiano, logo após te teres reformado, com a Maria José (sempre tão bela, amável, tão portuguesa, que fez de ti um português em duplo, como só o podem ser os estrangeiros que põem o coração nas mãos da suas mulheres e assim o entregam também a Portugal – e foi o que tu fizeste!).
É a surpresa e a dor da tua morte, na notícia brutal que acabo de ler. Vou reler-te do princípio ao fim de todos os teus livros belos e pequenos e poéticos e extraordinários livros. Vou sonhar contigo em português. E vou pedir aos teus compatriotas portugueses (porque também eras nosso, Antonio, e por vontade expressa tua) – que te ouçam de novo voltando a ler-te; que te leiam para te amarem como tu sempre o fizeste connosco. Ninguém perde de vez aqueles que em nós se continuam. Este é apenas um breve longo adeus, querido Antonio Tabucchi! Este ano, não sei se notaste, os pássaros não se foram embora. Julgava eu que era porque o Inverno não existiu e que eles se haviam equivocado com esta Primavera a si estranha no tempo, nas árvores e nas aves. Afinal, ficaram por ti, e agora vão levar-te, no meio dos seus bandos, a atravessar “O Fio do Horizonte”. Entrega-te, pois, às aves. (Como escreveu Julian Barnes, “as aves são sempre de fiar”). Tu serás sempre, Antonio, a nossa Primavera que há-de vir.