Fajã de Sto Cristo, Ilha de S. Jorge
ECCE HOMO
Sob o passo do Ecce Homo o mar retirou as
suas águas e guardou por detrás de uma estreita
linha de rochas. Deu lugar à lagoa. Ao redor
a Fajã.
Desce-se por alcantilada ravina. Figueiras
bravas, loureiros, fetos, conteiras e erva da
fortuna reconheço. Não tem a secura nem as oliveiras
do caminho que pisei em Delfos.
O deus está próximo. As heras o anunciam. E
quem do golfo de Corinto sobe para Delfos
depois de ter deixado o barco, também depara com
as ruínas do casario negro e com o tamariz florido
já queimado pelo agosto.
As casas, quase só as pedras soltas que lhes
formavam a quadra, as silvas abraçam. Um homem
ultrapassou-me com uma flauta nos lábios, um burro
e um rapaz. Diónisos entoa um hino
vindo dos mais longes cimos
a Apolo, ao Ecce Homo.
Sobre a lagoa o mar eleva-se fixado nos seus limites
de oceano. «Ditoso o que desce à terra baixa. Conhece
o fim da vida, conhece o seu princípio.» Pedras sobre a
pedra rasa do cemitério. O arco, a negra
cruz. Destelharam o templo; telha nova irá
ser acrescida. Retiraram o Santo. Há-de voltar sob
o domínio da hortelã. E as uvas amargas de setembro
e os figos doces do mês vão sobreviver.
Os milhafres revoluteiam os ares; coroam,
dissonantes, a lagoa de Cristo.
João Miguel Fernandes Jorge,
Antologia Açoriana,
Ponta Delgada, Biblioteca Pública e Arquivo Regional, 2011.
João Miguel Fernandes Jorge (1942) professor, poeta, crítico de arte, é natural da vila de Bombarral, vive e trabalha em Lisboa.
FOTO de Olegário Paz –