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Este conteúdo fez parte do "Blogue Comunidades", que se encontra descontinuado. A publicação é da responsabilidade dos seus autores.
Imagem de No 16º aniversário da morte de David Mourão-Ferreira: raízes açorianas e alentejanas**
Teresa Martins Marques
Comunidades 18 jun, 2012, 05:28

No 16º aniversário da morte de David Mourão-Ferreira: raízes açorianas e alentejanas** Teresa Martins Marques

Ao meu amigo Eduíno de Jesus,
(um dos primeiros críticos de
David Mourão-Ferreira)

No 16º aniversário da morte de David Mourão-Ferreira: raízes açorianas e alentejanas

A preocupação de DMF com a investigação da suas raízes é revelada logo aos dezasseis anos numa aturada pesquisa que leva a cabo junto dos pais, tios e outros familiares no sentido de averiguar as suas origens materna e paterna. Dessa pesquisa ficaram-nos os «Apontamentos para uma árvore genealógica» (1943), conjunto de sete páginas, justamente tratadas em árvore, tendo conseguido apurar do lado materno cinco gerações e colaterais e, do lado paterno, três gerações e colaterais. As raízes de DMF são, pelo lado materno, de lavradores e pequenos agricultores. Estas raízes familiares serão transformadas em matéria poética da «Xácara dos Campos de Elvas»: são cinco as gerações ali referenciadas, a primeira a do trisavô dos Açores que teria acompanhado o Rei libertador D. Pedro IV, e que numa aliança terramar viria a deitar raízes no Alentejo; “Mas aqui veio ancorar, aqui raízes deitou / esse soldado do mar”. A alusão é, por vezes, implícita, como no caso de Santa Eulália, topónimo alentejano, mas alusão também ao nome da mãe dos filhos, “santa em sua vida”: “Perto fica Santa Eulália, / que é santa na minha vida! / Do outro lado é a estrada / que vai dar à Andaluzia / e que trouxe de Granada / a bisavó granadina…/ – Há cinquent’anos, compacta, / hoje dispersa a família..!”
Esta santidade que lhe é atribuída vai servir de contraponto, num tom que nada tem de penitencial, ao estatuto de pecador do sujeito, que assim se regozija de pertencer a uma linhagem, também ele alferes de Caçadores, na senda do avô: “sobretudo de mulheres foste grande caçador!” Refere-se, uma vez mais, a este seu avô em carta dirigida a uma amiga, datada de 15 de Abril de 1949, após visita ao cemitério de Elvas:
«[…] confesso o meu especial fraquinho por meu bisavô que se chamava David Ferreira, e por seu filho, o meu avô José Mariano, que morreu há perto de cinquenta anos, tuberculoso e com 36 anos (uma riquíssima idade para se morrer!): era grande amador de Amor e grande amador de teatro. E, ou porque representasse muito bem ou porque amasse menos mal, o certo é que ele simples alferes de Caçadores 4, razoavelmente pelintra, segundo creio, veio a casar com minha avó Adelaide Sofia, bonita e rica. Tudo me leva a crer que ele prestou o devido culto a ambos os dotes da minha avó. A verdade é que, enquanto casados, se foram vendendo umas casas, e, depois da morte dele, olivais e terras de semeadura lá foram por água abaixo. Hoje, ao passar por olivais que pertenceram a minha avó, penso: “Isto podia ser meu…culpa de quem? De meu avô que não teve juízo…” Mas sinto-me feliz: prefiro não ter aquelas árvores, aqueles campos, mas ter tido um avô que não teve juízo. Um avô assim é uma grande coisa: que mais não seja, será sempre uma desculpa, uma atenuante para os possíveis desvarios do neto…»
A procura da justificação de um destino inscrito na continuidade geracional, e até mesmo a imagem dos “olivais que foram da avó”, que encontrámos no poema, está já, sete anos antes, formulada nesta carta a esta amiga. Assim como está lá também a figura do alferes de Caçadores, sobretudo de mulheres. Assim transitam os temas e as imagens no discurso davidiano, independentemente dos géneros que o configuram, tecendo uma memória interna, um sistema de vasos comunicantes. A referenciação da origem da “avó granadina” da «Xácara» sofrerá oscilações várias. Virá a sofrer rectificação num texto de 1970, intitulado «Caleidoscópio Espanhol». que a apresenta como sendo, afinal, originária de Córdova :
«E Córdova, por fim. Córdova, de onde, afinal de contas, era natural a minha bisavó que durante anos e anos supus que fosse granadina. Córdova, «romana y mora» onde, vendo bem, tenho ainda outros parentes, mais distantes no tempo, mais próximos contudo pelas linhas do coração e da cabeça. Sei mais a respeito de Góngora que da vida obscura da minha bisavó; e Córdova como pátria de Gôngora, de Lucano e dois Sénecas, não tem menos a ver comigo, com a minha verdadeira «ascendência», que essa modesta oitava parte das minhas raízes meramente biológicas. E com o resto da Espanha passa-se exactamente o mesmo: os seus poetas, os seus prosadores, os seus pensadores pertencem igualmente à minha «família».»
Todavia, no «Romance de Granada», publicado dez anos depois (1980), volta a ambiguidade a instalar-se, no final do poema: “Quem sabe se noutros tempos / me foram berço ou sepulcro / Quem sabe se hoje o dizendo / revelo um ontem oculto / Granada já mal te lembro / Só assim te redescubro”. Ambiguidade que resulta da dupla interpretação como alusão à família biológica, ou como alusão à família do espírito, que o final de «Caleidoscópio Espanhol» enaltece. Esta família espiritual leva-o à solidariedade no luto diferido no tempo, criando laços culturais, laços intelectuais que, afinal, se sobrepõem aos laços de sangue, tecendo outras genealogias do espírito. É a solidariedade com Lorca que ressalta do «Romance de Granada». É o poeta que se sobrepõe ao espaço, que agora nobilita a cidade, que o fez perecer:
«Ó carpideiras do vento / com Sol também à mistura / por Federico tecendo / a vossa teia soturna / dançai antes o flamenco / a ver se muda a fortuna / Mas basta a sombra de um lenço / fala-se logo em conjura / Mas basta a graça de uns dentes / que mordem a terra nua / logo se vêem crescendo / ciladas e sepulturas »
Não se deduza, todavia, por interpretação literal, a partir daquele excerto de «Caleidoscópio Espanhol», que os laços de sangue são, para DMF, menos importantes do que os laços do espírito. Desde a mais tenra infância eles lhe foram cultivados no seio familiar, muito particularmente sob a forma de um cultualização da memória dos mortos. Quando, em 1963, vier a escrever e a publicar o poema «A Outra Noite de Natal» , de clara inspiração brandoniana, em homenagem aos que partiram, tal poema inscrever-se-á naturalmente num ritual que lhe é familiar, subvertendo, porém, o ponto de vista tradicional em que os vivos choram os mortos, já que são estes que choram os vivos, lendo-se em filigrana outro tema muito do agrado de DMF: o do fingimento da felicidade, que o Natal potencia. Estes mortos sabem que os vivos voltarão e que a passagem entre vida e morte não passa de curto interregno entre dois modos de existência:

«Juntam-se os mortos hoje à noite, / juntam-se à roda de uma árvore, / ainda verde ou já em fogo, / para chorar a nossa falta. // Ainda verde? Ou já em fogo? / Fraternidade: ó flor, ó cinza! /Juntam-se os mortos hoje à noite / para fingir que são felizes. // Sopram a neve. Acendem velas. / Rompem de súbito a cantar: / Dizem que estão à nossa espera. / Sabem que havemos de voltar.»
O Alentejo como terrunho de onde brotam as suas raízes familiares ver-se-á reforçado no imaginário poético davidiano pela permanência do autor, entre 2 de Março e 9 de Agosto de 1952, cumprindo serviço militar em Portalegre, no mesmo Batalhão de Caçadores 1 já aludido na «Xácara» relativamente a seu avô, «Nocturno de um Comboio no Alentejo» , escrito em Dezembro do mesmo ano, terminada que era já aquela experiência, constituindo-se o poema em eco duplamente vivencial. É a extrema violência do comboio “turbulento” que ressalta no poema, máquina que “vai espedaçando a terra nua”, com uma força desmedida, incontida: “nada o detém: nem mesmo o vento, / Nada o confrange: / como um alfange / corta, impiedoso à luz da Lua.” Atentemos na expressão “nem mesmo o vento”. Numa primeira leitura, este vento é lido, paradoxalmente, como mais forte que a máquina. O vento é frágil face à força brut
a desta máquina, que nem mesmo um tufão deteria. Mas o que parece paradoxal, na realidade, não o é, lido em contexto mais vasto, já que o vento tem, no conjunto da obra davidiana, um fundo significado como força de bloqueio, adquirindo uma significação que não pode ser deduzida nem explicada apenas a partir deste poema.
A poesia davidiana não possui um claro fundo político expresso, mas possui-o, muitas vezes, implícito. Neste poema, é a terra alentejana que sofre, numa alusão que não pode deixar de ser lida também em fundo político de violência de lutas sociais, que virão a tomar forma de extrema crueldade aquando do assassinato de Catarina Eufémia, que virá a ocorrer um ano e meio mais tarde, a 19 de Maio de 1954, metaforizando a violência do comboio esse clima de insegurança que se vivia no Alentejo: “Ó Alentejo, ó corpo ardente, / como o comboio te esfacela! / Sofres o golpe serenamente: nem te perturba / a sombra turva / que se debruça da janela… // Depressa vem a cicatriz. / Sobre essa chaga desmedida, / ficam apenas os carris, /num brilho de aço, / lívido, baço / – como a costura duma ferida!”
Observe-se como o motivo dos carris no álbum fotográfico Lisboa Luzes e Sombra (1992), mais especificamente no poema décimo quarto, que apresenta uma simbologia nos antípodas desta, a marcar a intencionalidade alusiva de violência do poema «Nocturno de um Comboio no Alentejo». Lemos em Lisboa Luzes e Sombra os seguintes dois dísticos: “Sobre a ardósia do empedrado / curvas e rectas feitas a giz // problema simples e complicado / a geometria destes carris”. Na foto que o acompanha, vemos que são estes os carris da curva do eléctrico, no Largo do Corpo Santo, ao fundo da Rua de São Paulo e no fim da Rua do Arsenal. Se nos ativermos apenas ao que sabemos da história da cidade, lembramo-nos de um cenário nas proximidades do local do regicídio, o que não joga com o tom “escolar” da poesia a evocar problemas de aritmética num quadro de ardósia. Estes carris já não são cicatrizes, como no «Nocturno do Comboio no Alentejo». São linhas de um problema de geometria, simples e complicadas, como a infância, desenhadas numa imaginária ardósia, suspensa nas brumas da memória. E é justamente aqui que nos facilitam a compreensão alguns dados da infância do autor, para nos mostrarem como Lisboa Luzes e Sombras é ainda um regresso às origens. A Rua de São Paulo, o Largo do Corpo Santo, a Rua do Alecrim em direcção ao Chiado, são percursos habituais dos seus passeios infantis, das suas idas ao Cinema Promotora. Cinquenta e três anos mais tarde, ao escrever o poema sobre estes lugares, assoma-lhe nos dedos o traçado geométrico das linhas da ardósia da infância, a pasta carregada das memórias do tempo. Será ainda uma homenagem aos lugares das suas raízes a escolha de uma herdade no Alentejo, para situar o lugar onde decorreu a inesperada infância da enigmática estrangeira Y, do romance Um Amor Feliz, em contexto igualmente relacionado com Lisboa, ou seja, com os dois primordiais espaços radiculares do autor do romance: “[…] E a discreta saudade com que amiúde fala do pai; e o fugidio colorido com que às vezes evoca a sua infância, quase toda passada numa grande herdade do Alentejo; ou de modo ainda mais esquivo, a adolescência repartida entre o Liceu Francês de Lisboa […].” (AF: 41)
O volume de poesias Os Ramos Os Remos coexiste com a escrita do romance Um Amor Feliz, que decorreu entre 1982 e 1986. Assim, o tema da terra dos seus avós surge naquela colectânea representado no poema «Campos do Alentejo», já não no tom violento que vimos no comboio que revolve a terra, mas em tom melancólico, que a seu modo despedaça a alma:
«Áreas que só na alma / encontram suas árias // mas não virão guitarras / à noite acompanhá-las // Nem o voo das harpas / Nem da neve os fantasmas // Um coro de chaparros / em brados abafados // é sempre o que lhes cabe / é sempre o que lhes basta // Ó crua luz da tarde / logo que a manhã nasce // Por mais que a noite caia / na cal tudo ressalta // E a sombra de um arado / como um A muito amargo // ao qual se limitasse / todo o abecedário // De guerras tantas grades / de fomes tantas pragas // nas lavras destas áreas / os tempos semearam // Abre-me ó terra os braços / como só tu os abres / / até mais graves / sabem tornar-se aqui as aves »
Para interpretarmos este poema, é importante conhecer a data da sua escrita, que não vem mencionada na obra, mas que apurei no mauscrito: 1984. Se contarmos as vezes que neste poema comparece a letra “a”, chegamos à curiosa conclusão de que são exactamente oitenta e quatro vezes, tantas quantas os dois dígitos finais do ano em que foi escrito. Não acreditemos em acasos num poeta meticuloso e ardiloso como DMF. A letra é duplamente simbólica, por ser a inicial do nome da província das raízes familiares e por ser a primeira letra da palavra “Amor” agora lido em contexto de amor à terra das suas raízes: “E a sombra de um arado / como um A muito amargo” da vida triste, difícil, dura de quem lá vive: “O coro de chaparros em brados abafados”. Espaço desolado nesta música, em aliteração de “áreas / árias”. A tristeza invade a voz das aves, numa simbolização dolente de míngua, de escassez, de fome. A intervenção social que poderíamos ver de forma explícita no poema do comboio alentejano mantém-se agora numa linha de trânsito dolente e melancólico, mas que não é nunca uma linha de via reduzida de simbolização poética de vida e morte no seio da terra-mãe: “Abre-me ó terra os braços / como só tu os abres”.
Neste dia de aniversário da sua morte, nós, os seus leitores, abrimos-lhe também os nossos braços, abrindo os livros que nos deixou.

Teresa Martins Marques

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Sobre a autora Teresa Martins Marques

No 16º aniversário da morte de David Mourão-Ferreira: raízes açorianas e alentejanas**
Teresa Martins Marques

Teresa Martins Marques,uma das mais profícuas ensaístas da literatura portuguesa contemporânea,se destaca no Mundo das Letras por sua produção literária,pelo excelente e primoroso trabalho de investigação realizado ao longo de sua  vida. Teresa é,sem sombra de dúvida,uma grande referência para a comunidade literária.

Ensaísta,crítica literária e investigadora integrada no Centro de Literaturas de Expressão Portuguesa da Universidade de Lisboa onde se licenciou em Filologia Românica (1975) e obteve o mestrado em Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea (1992).Doutoramento em Estudos de Literatura e Cultura Portuguesas (2011).

Competente,dirigiu a organização do acervo literário de David Mourão- Ferreira, na Fundação Calouste Gulbenkian, entre 1997 e 2004. Autor tema da sua tese de doutoramento na Universidade de Lisboa.
Participa da direção da Associação Portuguesa de Escritores.
A expressiva obra e a trajetória acadêmica construída com talento, sensibilidade,profissionalismo e grande rigor científico revelam a força criadora da escritora Teresa Martins Marques.

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