Carta a Miguel de Figueiredo Côrte-Real, 1925-2010–Elisabeth Figueiredo Kastin
Miguel,
Passaram quase dois anos desde que nos deixou nesse dia triste de Julho e sinto tanto a sua falta. Ninguém preencheu o seu lugar e todos os seus amigos continuam dispersos por este grande país, ou além-mar, cada vez mais afastados uns dos outros. Mas nunca esquecerei o que me ensinou com o seu exemplo e sempre que me encontre em New Bedford, visitarei a sua última morada.
Lembra-se quando me ofereceu o livro de poesia da Alda Lara? Foi em 1985, e eu trabalhava na Casa da Saudade, biblioteca que o Miguel visitava todas as semanas para requisitar ou ler os muitos jornais açorianos que recebíamos, ou para participar nesta ou naquela reunião, trabalhando para a comunidade portuguesa. Tinha lido um dos meus poemas no Portuguese Times ou no Baluarte de Santa Maria, e queria partilhar o gosto pela poesia. No livro escreveu esta dedicatória: “Elisabeth, Para ti, a quem as Musas, à tua sensibilidade também dão alento; Lê a poesia “Apontamento” onde a Alda escrevendo cantou, o que é: Ser Poeta…Com simpatia e amizade, MFCR., N.B. 9-23-85″. Guardo este livro intitulado simplesmente Poemas com muito carinho.
Mas ainda mais precioso, ofereceu-me também um poema seu, “Iha”. Lembra-se? Poema de lembranças agridoces e doloridas, que me surpreendeu pois até aí penso que não conhecia esse seu lado de poeta. Hoje, ao arrumar os livros, encontrei e reli o poema e gostaria de o partilhar com os amigos e leitores deste blogue, esta comunidade virtual que vive espalhada pelos quatro cantos do mundo e sonha às vezes com o dia em que voltará à sua ilha-musa, mas que a traz sempre dentro de si, tão perto, tão perto, transmutando a saudade em seiva espiritual. Um abraço eterno.
Miguel e Elisabeth
Ilha
Lá, num recanto,
onde o mar beija a areia branca da praia,
onde, um dia me fui despedir
antes de embarcar,
para sempre lá ficou preso meu coração…
Praia de São Lourenço,
(Baía de Barbara Vaz),
rua arenosa de macadame,
onde em noites de luar
passeei como se fora Ermitão?
Nos já longínquos tempos da mocidade….
Meus companheiros se dispersaram,
(alguns a morte ceifou…)
“José”, “Olimpio”, “Óscar”, “Salvador”
a todos o destino separou
e não mais alí juntos nos encontramos…
Nunca mais lá voltei
e passei tantos anos com esta grande mágoa
a consumir-me cá dentro…
Como se a Ilha no mar azul e de areia branca
fosse o Paraíso perdido
da esperança dos meus sonhos…
Resignado
ergo uma prece para que um dia
eu possa voltar,*
nem que seja para morrer…
Porque então,
morrerei feliz
lá, onde estão meus pais,
nessa Ilha de areia branca e céu azul
que eu
há muitos anos, muitos anos
deixei para não mais voltar…
Apenas tocar teu solo,
curvar-me-ei respeitosamente
e beijarei tua terra barrenta
que minhas lágrimas humedecerão,
nesta saudade transbordante de ternura.
Como filho perdido
beija a mãe que há muito tempo não vê…..
Miguel
*Felizmente, mais tarde, o Miguel voltou algumas vezes a Santa Maria.
Ashland, OR – 10 de Julho de 2012
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Elisabeth Figueiredo Kastin, nasceu em Vila do Porto, Santa Maria. em 1961. Frequentou o antigo Externato de Santa Maria até a família emigrar em 1974. Estudou na University of Massachusetts/Dartmouth e mais tarde licenciou-se em Línguas e Literaturas Estrangeiras na Southern Oregon University. No seu percurso tem andado sempre ligada aos livros e às bibliotecas, primeiro na Casa da Saudade e outras bibliotecas públicas de New Bedford. Mais tarde, na Biblioteca académica Hannon Library da Southern Oregon University.