Imagina na Copa...
De repente – sempre é, sempre será de repente que a gente pifa – precisei de meu Plano de Saúde. Nada muito sério, apenas um joelho suficientemente avariado para me transformar num saci. Em respeito aos leitores – todos os cronistas têm 17 leitores; eu já contabilizei 23; mais um pouco, estarei escrevendo no New York Times. Enfim, para não chocar ninguém, omitirei os detalhes macabros. Mas, assim, sem muito lero-lero, dou uma explicadinha básica: virei um saci com peso extra e na terceira idade (essa história de idade é calúnia, tenho 33 anos…)
Enfim, pulando num pé só e morta de dor fui bater, de madrugada, no pronto socorro Unimed da Avenida das Américas, Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, Brasiiiiillllll. Nenhuma queixa. Atendimento rápido e cortês. Bem, em termos. A verdade é que já não se fazem médicos e enfermeiros como antigamente. O operador de RX, tentando me posicionar corretamente para bater a chapa, usou sinceridade desconcertante:
– A senhora deitou errado, mexe a bunda.
Too much para uma enfant du Sacré Coeur. Modestamente, obedeci. Sabe-se lá o que ele diria a seguir? Felizmente, a sessão-radiografia transcorreu sem outros momentos traumáticos. Logo me transportaram para a unidade de emergência, com soro na veia, onde um médico ágil resolvia, em voz alta, a vida dos pacientes. Privacidade Zero. Comoveu-me, especialmente, um senhor da minha idade sofrendo de constipação. Ou seja, o intestino não funcionava há dez dias. Nem o Box acortinado salvou-o. Volta e meia, o doutor, sem levantar da cadeira, perguntava alguns decibéis acima da delicadeza:
-Como é, senhor fulano, conseguiu fazer cocô?
Não, o senhor Fulano ainda não fizera cocô. Diante da gravidade da situação, o cidadão literalmente entupido, o esculápio não vacilou. Em alto e bom som, mandou a enfermeira, estacionada do outro lado do corredor, resolver o problema:
– Aplica outro clister no senhor Fulano e coloque uma fralda. Agora, ou dá ou desce.
Desceu. E toda a emergência conheceu os detalhes sombrios do intestino do senhor Fulano, que não dava um pio de vergonha. Fechei os olhos, agradecendo a Deus o problema no joelho. Dos males o menor, ao menos preservava a minha intimidade.
Quem pensa que a novela acabou nesta madrugada de suruba-médica-emergencial está redondamente enganado. A via crucis apenas começava. Recebi alta com indicação de outra radiografia e sessões de fisioterapia. Sou bem treinada, Deo gratias. Anos e anos numa redação de jornal ensinaram-me a usar telefones com paciência bíblica. Gastei metade do dia ouvindo gravações: “tecle um para isso, dois para aquilo….” e tome de esperar. Finalmente – aleluia! – após horas ligando para todas as clínicas credenciadas em RX, consegui marcar a minha radiografia de emergência para o dia 24 de agosto. Tudo bem, o que não mata, fortalece. Até lá, basta rezar para a fisioterapia funcionar e o joelho não cair.
Fisioterapia? Esgotei a tarde atrás de uma clínica fisioterápica. Consegui uma, que atende por ordem de chegada. Remanchei duas horas, contadas no relógio, para receber a graça de um atendimento burocrático: gelinho, dois puxões na perna, três esticadinhas e o diagnóstico, anunciado solenemente:
– A senhora está com um problema no joelho…
Encerro por hoje, avisando ao distinto público – quero dizer, aos meus 23 leitores – que pago o segundo plano mais caro da Unimed, o Delta. Exatamente R$ 1 021,01 mensais.
Se, em 2 012, sou obrigada a esperar exatamente 19 dias por uma reles radiografia do joelho inflamado e penar numa longa fila para fazer 15 minutos de fisioterapia fajuta, imagina na Copa…
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(*) Nota: Crônica publicada no Portal Anna Ramalho Jornalismo/amigos de Anna, em 7 de Agosto e aqui reproduzida com a permissão da Autora.
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Sobre a Autora:
Angela Dutra de Menezes é carioca, escritora e jornalista. Formada em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Estudou também na Universidade da República do Panamá e Universidade da Georgia (EUA).
Angela fez carreira no Segundo Caderno do Jornal O Globo, encerrando suas atividades na revista Veja. Dedica-se a sua verdadeira paixão: a literatura.
Com seu romance de estreia, Mil anos menos cinquenta, publicado em 1995 e que apresentou a saga de uma família em dez séculos de civilização (de Portugal à vinda para o Brasil), Angela alcançou cedo o reconhecimento no meio literário, recebendo o Prêmio de Autor Revelação da Bienal do Livro de 1995.
Produção Literária:
* Romance
– Mil anos menos cinquenta (Civilização Editora, 1995). Traduzido para o espanhol editado em Lisboa. Prêmio de autor revelação da Bienal do Livro de 1995.
– Santa Sofia (Record, 1997). Finalista do Prêmio Jabuti.
– O avesso do retrato (Record, 1999). Finalista do Prêmio Jabuti.
– O Livro do Apocalipse segundo uma testemunha (Objetiva, 2001).
– A tecelã de sonhos (Record, 2008). Finalista do 6º Prêmio Passo Fundo Zaffari & Bourbon.
– O Incrível geneticista chinês (Record,2012).
* Contos
– Todos os dias da semana (Bertrand Brasil, 2003)
– O Português que nos pariu (Relume Dumará, 2000. Reedição pela Record, 2009). Considerado um dos dez melhores livros brasileiros do ano de 2000.