Brasil, Pátria Minha
Hoje mudei de idade. Isso mesmo, dia 18 de setembro é meu aniversário. Há sessenta e seis anos, quando a Assembléia Constituinte aprovava a nova Carta Constitucional e o país celebrava a restauração da democracia no Brasil, o avanço das liberdades individuais, eu chegava neste mundo – mulher, brasileira e cidadã com todos os direitos e deveres que aquela Lei Maior recém nascida me outorgava. Passei de feto à filha da Pátria.
Uma Pátria que nasceu na tarde de 7 de setembro de 1822, às margens do riacho Ipiranga, nos arredores de São Paulo, no momento que o príncipe Dom Pedro bradou: «Independência ou Morte!» Ao grito da liberdade seguiu-se o juramento solene feito com a espada em riste, perante a guarda de honra, numa atitude de ruptura de laços e total afronta às cortes portuguesas: – Pelo meu sangue,pela minha honra,pelo meu Deus,juro fazer a liberdade do Brasil. A proclamação de D.Pedro descrita pelo coronel Manuel Marcondes de Oliveira Melo,subcomandante da guarda de honra, descendente do açoriano António Marcondes do Amaral, da freguesia da Achadinha, Ilha de São Miguel,marca o começo da história do Brasil como nação independente e soberana. Começava ali a construção de um país envolvido num ideário imagístico e belo como a cena da Independência do Brasil retratada no quadro “Independência ou Morte”, também conhecido como “O Grito do Ipiranga”, de Pedro Américo, terminado em 1888.
Olho para trás e lá se foram 190 anos de distanciamento do tempo, desde a ensolarada tarde de 7 de setembro. Parece impossível que o sonho vingou, que triunfou o projeto de construção de um Brasil que, em 1822, se desenhava improvável dado as suas fragilidades sociais, culturais e econômicas que agigantavam seus problemas ante a imensidão territorial e a insustentável pobreza de seu povo. Ainda, assim, menor que seus sonhos não poderia ser e não foi. Sem sombra de dúvida, “o Brasil de hoje deve sua existência à capacidade de vencer obstáculos que pareciam insuperáveis em 1822”, como bem afirmou o escritor Laurentino Gomes no livro “1822” (2010:18). Foi no passado que começou a serem forjadas as qualidades e as deficiências que, no presente, vivificam no País e em cada cidadão. Um olhar alongado para este passado do nascimento do Brasil como nação independente, Pátria livre, terra garrida, idolatrada, amada, ajuda-nos a compreender o país de 2012.
Mais do que a mais garrida a minha pátria tem/ Uma quentura, um querer bem, um bem/Um libertas quae sera tamem/ Que um dia traduzi num exame escrito: “Liberta que serás também”/E repito!
Graças ao feriado do dia da Independência, da Semana da Pátria, muitos aproveitaram para viajar, visitar parentes e amigos, curtir a praia e a serra enfim, para festar. Basta-nos o feriado? Nunca paramos para pensar a Pátria que surgiu da terra desvirginada da Ilha de Vera Cruz e que resplandece em setembro de 2012.
Um País tropical, paisagem luxuriante, paraíso de rios, terra de contrastes, de dimensões continentais onde vive uma população, cerca de 194 milhões de habitantes, mal distribuídos em dois brasis, ou melhor, em vários brasis. Um povo que olha o verde nacional como um mar de esperança infinita “fazendo-a funcionar no limite da exaustão”, já o sentira Carlos Drummond de Andrade. Um país de todos os tons, onde comungam gente de todas as origens e raças. Uma nação multicultural que faz da diversidade a sua marca. Do Monte Caburaí (Roraima) ao Arroio Chuí (Rio Grande do Sul), seus pontos extremos norte-sul, na sua gigantesca territorialidade, o Brasil abraça em seu seio gentil o sentimento uno de brasilidade que o identifica. Uma língua expressa na sonoridade colorida dos inúmeros sotaques regionais – a língua portuguesa que floresceu e enriquece-nos, que é patrimônio cultural nacional, que responde pela unidade do Brasil Continental.
O Brasil, que é Ilha imaginada, povoa os sonhos de milhões de brasileiros, de toda uma geração marcada por sua capacidade de contestar e não se vergar diante da noite que desceu sobre o Brasil. Arquivo intelectual e criativo de uma época que conviveu com a ditadura e sobreviveu. Imaginário de uma geração que nasceu na democracia, na vivência plena da liberdade, da cidadania, que percorre em cada aurora novos caminhos abertos por este “Brasil brasileiro” de que falava Eça de Queirós. Pátria cansada de tanto escárnio com o erário e corrupção, de conviver com os níveis intoleráveis da miséria que acompanha o desenvolvimento do País, do caos na segurança, na saúde pública, na educação, na tragédia diária das nossas cidades e na intranquilidade do produtor rural.
Pátria minha… A minha pátria não é florão, nem ostenta / Lábaro não;a minha pátria é desolação / De caminhos, a minha pátria é terra sedenta / E praia branca;a minha pátria é o grande rio secular / Que bebe nuvem, come terra / E urina mar.
Em verdade, se olharmos para os indicadores de qualidade de vida da população, e o aumento da expectativa de vida de um brasileirinho ao nascer, nos últimos sessenta anos, constatamos que o Brasil vem melhorando em todos os setores e a inclusão social ocorre de fato e de direito de forma progressiva.
No entanto, há um longo caminho a ser percorrido até que o país alcance os níveis de crescimento ideais, a partir de um governo ético, competente e eficiente na gestão pública e um Congresso que atue compromissado em aprovar projetos e leis que promovam o desenvolvimento pleno de todas as potencialidades dos cidadãos, presentes e futuras.
Percebo, maravilhada, que alguma coisa já começa a mudar na cultura do País, ao romper o velho paradigama da impunidade, no recente julgamento do propalado processo do“Mensalão,” com as primeiras condenações e os exemplares pareceres de ministros do Supremo Tribunal Federal. Terá, finalmente, o Brasil reencontrado a sua bússola, a coragem para continuar erguendo “da justiça a clava forte” e construindo com destemor a grande nação que renasce neste setembro de 2012?
Gosto muito de sentir este Brasil, Pátria minha, como uma Casa Grande que se fez alma: a alma brasileira. Ela está edificada por todo o país, nos municípios, estados e regiões. É a “Casa-Grande & Senzala” de Gilberto Freyre; a casa de engenho de José Lins do Rego; a casa solarenga de Jorge Amado; a casa de “Os Sertões” de Euclides da Cunha; a velha Casa da Ponte de Cora Coralina, na antiga Goiás; a casa grande do bandeirante, a sede das fazendas de café, do interior fluminense e paulista, presença na obra de Machado de Assis, Fagundes Varella, Monteiro Lobato; o casarão mineiro, de Itabira, de Carlos Drummond de Andrade, o sobrado do “Tempo e o Vento” de Érico Veríssimo, no pampa gaúcho; o rancho do pescador ilhéu de Othon d`Eça, de Santa Catarina. É também a casa de palafita-açaizal do estuário do Amazonas, os alagados de Salvador, a favela, o mocambo, a maloca, o cortiço, a tapera, o barraco. É o Brasil arquipélago, centenas de ilhas espalhadas pelo vasto território, milhões de caras, gente que a vida ensinou a levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima.
Um povo que tem o direito de viver com dignidade e de ser feliz no seu País.
Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão…
Que vontade de adormecer-me
Entre teus doces montes,pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.
Brasil, Pátria minha!
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Nota:1. Artigo construído sob a inspiração do poema Pátria Minha de Vinicius de Moraes (1913-1980). Saiu pela primeira vez, em 1949,numa edição feita por João Cabra
l de Melo Neto em Barcelona, sob o selo “ O livro inconsútil”.
2.O artigo publicado na minha coluna Pedra de Toque, sofreu ligeira alteração em função da data.