Era uma vez na Achadinha…
Quase todas as histórias que enriquecem o repertório tradicional de oralidade e povoam o nosso imaginário iniciam com a expressão “ Era uma vez…” Histórias ou estórias tecidas, contadas e recontadas por nossos pais e avós que ouviram, por sua vez, de seus pais e avós, reproduzidas ao longo das gerações respondem pela maravilhosa arquitetura da nossa memória.
Santa Catarina é um estado multicultural. No passado abriu suas portas à imigrantes que aqui arpoaram a esperança atrás da terra prometida “que mana leite e mel”, formaram famílias, escreveram a sua (e a nossa) história na terra que os acolheu. O Atlântico foi o portal de entrada dos milhares de açorianos do século XVIII que atravessaram o oceano trazendo as ilhas dentro de si e a alma banhada no mar salgado. Na margem de cá, seu lugar de destino, foram pilares da sociedade catarinense e, nesta condição, a partir do século XIX, ao lado dos imigrantes não ibéricos, construíram a identidade cultural de Santa Catarina dando “cara” à nossa gente.
Enquanto escrevo, assalta-me a imagem do gigantesco painel, superior a 15 m2, que cobre uma parede do Centro Internacional de Eventos do Costão do Santinho. Sobre um fundo azul lápiz lazúli, em belíssima cartografia, está representado o arquipélago dos Açores com a inscrição: “ Arquipélago dos Açores – Nossas raízes. Nosso orgulho.” A área “Açores” abriga a “Praça Açores”, “Salão Açores” e mais nove salas ou nove ilhas: Santa Maria, São Miguel, Terceira, Graciosa, Faial, Pico, São Jorge, Corvo e Flores. A história da Ilha e da cultura açoriana está também presente em três painéis de mosaico do artista plástico Rodrigo de Haro e em dois engenhos instalados no “Caminho Açoriano.” Uma notável homenagem aos povoadores açorianos? Sim, mas esta é só uma introdução para mais contar…
O Costão do Santinho Resort, localizado no extremo norte da Ilha de Santa Catarina, na praia do Santinho, a trinta e cinco quilômetros do centro de Florianópolis, é fruto do sonho inabalável do ilhéu Fernando Marcondes de Mattos. Professor, administrador, político, empresário e escritor. Um homem à frente, um apaixonado por sua terra e, por isso mesmo, um sonhador. Ao seu lado, no timão desta baleeira de sonhos, a mulher Iolanda, companheira de uma vida.
O Costão do Santinho começou a ser idealizado no final dos anos setenta, e quando foi apresentada a sua maquete, em 1989, não foram poucos que o consideraram “uma loucura,” tal a envergadura e o arrojo do empreendimento a ser erguido naquele fim de mundo entre roças de mandioca, numa isolada comunidade de pescadores servida por estrada de “carro de boi”. Surpreendeu a ousadia da proposta e a extraordinária beleza arquitetônica inspirada nas edificações portuguesas, como os arcos presentes nas fortalezas da Ilha, bem como o cuidado em preservar o habitat, a natureza exuberante, os sítios arqueológicos e ressaltar o que era de mais significativo – a identidade cultural. Mais do que uma condicionante este conceito foi eixo determinante. Desde o seu embrião, o Costão do Santinho assinalou como ponto basilar a identidade das nossas raízes. Nem poderia ser diferente num projeto parido por um ilhéu que traz o mar dentro dos olhos, o cheiro da maresia na pele e tem por alma a Ilha. Que ama e conhece cada pedacinho desse espaço telúrico mágico e o jeito de ser do “manezinho” com suas idiossincrasias peculiares.
Ocupando 1.500.000m2 dos quais 200.000m2 de área já construída, o Costão do Santinho Resort inaugurado em 1991 transformou-se,quinze anos depois, num ícone do turimo nacional, um espaço de lazer e eventos incomparável no Brasil e no Mercosul. Considerado o maior Resort de Praia do País,com seis títulos entre 2005 e 2010 e “Top of Mind” 2011/2012.
Creio que eu sempre tive tesão pela vida, afirma Fernando convicto da missão cumprida. A propósito, em “A saga de um visionário”(Edeme,2007) ao explicar a escolha do título, sugerido por seu filho Felipe, confessa: “ (…) porque tanto ele como eu sentimos ter um destino a cumprir num processo histórico que, no nosso caso, começou com a vinda do português Antônio Marcondes do Amaral, dos Açores para o Brasil, em 1738, exatamente 200 anos antes do meu nascimento”(p.16).
É aqui que entra a Achadinha.
Era uma vez a Achadinha, bonita freguesia e uma das mais antigas do Concelho do Nordeste, localizada ao norte da Ilha de São Miguel, emoldurada por luxuriante paisagem, os tons de verde das criptomérias, os campos amainados, o perfume das conteiras, o som cristalino das ribeiras, a sinfonia de cores dos maciços floridos. Ao longe, o mar, azul profundo a provocar o imaginário, a salgar a pele, a apontar rotas e a aproximar vidas. A ela já se referira Gaspar Frutuoso, no Livro IV,vol.II do Saudades da Terra. É para este cenário que, lá pelo ano de 1700, o cirurgião italiano Dionísio Marcone foi obrigado a emigrar por causa de uma mal sucedida intervenção cirurgica realizada na cidade de Veneza.
A Achadinha que acolheu o jovem médico era um pequeno e isolado povoado, casas de chão batido cobertas de colmo, a população vivia da lavoura e raros os que sabiam ler e escrever. Instalado, Dionísio Marcone aportuguesa o sobrenome para Marcondes (In:Livro de Registros da Alfândega de Ponta Delgada, 1732). Em 10 de abril de 1709, na igreja de Nossa Senhora do Rosário, casou-se com Maria Vieira, filha de Manuel Váz Cogumbreiro e sexta neta de Duarte Galvão (1435-1517), segundo fontes genealogistas açorianas. O primeiro filho nasce em 1710 e recebe o nome de António Marcondes acrescido do sobrenome Amaral em homenagem ao padrinho de casamento do casal.
António Marcondes do Amaral, o sexto avô do ilhéu catarinense Fernando Marcondes de Mattos, parte para o Brasil no limiar de 1738, comandando a sumaca São Boaventura, dez anos antes da epopéia açoriana, transportando soldados e alguns “cazaes” para o então Continente do Rio Grande de São Pedro, atual Rio Grande do Sul. A sumaca naufragou na praia gaúcha de Bojuru,salvando-se passageiros e carga.
O ihéu açoriano da Achadinha, António Marcondes do Amaral, se estabelece em São Paulo na localidade de Pindamonhangaba e em 1741 casa-se com Maria Madalena de Jesus Cabral. Viúvo, em 1769, contrai núpcias com Ana Joaquina de Sá. Dois matrimônios e quinze filhos. Era o inicio da saga da família Marcondes em terras brasileiras. A desaguar uma enorme descendência pelas províncias de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná , alcançando Santa Catarina em 1934.
Deve-se ao Juiz de Direito, João Thomaz Marcondes de Mattos, pai de Fernando, a disseminação da família em Santa Catarina. Nascido em Amparo da Barra Mansa, Rio de Janeiro, em 1909, descende de Ana Rosa Marcondes do Amaral, filha do segundo casamento de Antonio Marcondes de Amaral. No ano de 1936, em Florianópolis, casa-se com Maria de Lourdes Abraham de tradicional família da Ilha. Tiveram quatro filhos e seus descendentes se espalham por Santa Catarina e por outros horizontes. Quase quarenta anos de magistratura e um legado de conduta exemplar que dignifica o nome do Dr.Marcondes e orgulha os catarinenses que conheceram a sua dedicação ao trabalho e o seu amor à terra de Anita Garibaldi.
A história que aqui trago é como uma manta de retalhos em que vai se costurando pedacinhos de tecidos com cores e texturas diversas. É na unidade das diferenças que reside a sua beleza. Assim, também é a história de uma família sempre sendo escrita e tecida por muitas gerações cada uma com seu jeito de ser e estar no mundo.
No
ano de 2004, Fernando e Iolanda Marcondes conheceram a Achadinha. Penetraram no universo dos personagens de Gente Feliz com Lágrimas e Sorrisos por Dentro da Noite, dos escritores João de Melo e Adelaide Freitas. Percorreram os caminhos trilhados por Maria e Dionísio Marcone, seu sétimo avô. Foram à descoberta de suas raízes, do seu passado e de um tempo que ainda é presente aqui na Ilha de Santa Catarina e ali na Achadinha, onde tudo começou.
Lélia Pereira da Silva Nunes
______________________________