Maria Batalhão
Memórias póstumas de uma cafetina
(Editora Esplendor – 290 páginas)
Com recomendação do escritor Deonísio da Silva assinada na orelha deste “deslumbrante e assombroso livro”, Dante Mendonça abre uma a uma as gavetas da penteadeira de Maria Batalhão, onde repousam as mais íntimas recordações das gloriosas cafetinas da obra de Dalton Trevisan: Dinorá, que custeou a faculdade de muito doutorzinho; Otília, com seu bangalô de cor azul-calcinha; Alice, a fada negra que fervia no caldeirão água quentinha para as suas meninas; Uda, que às três da tarde recebia ungidos do Senhor; Ávila, a loira de novecentos quilos, parente de Jânio Quadros; quem era Madame Genet, que fez mais para imaginação dos curitibanos do que Alexandre Dumas ou Victor Hugo? Que fim levou a Francesa do Cachorrinho, que não era uma, mas eram muitas? Este curioso universo de paixões carnais, segredos e momentos picarescos da alma de nossa sociedade inominável, são a matéria-prima do ficcionista, cartunista e observador de costumes Dante Mendonça que, a rigor, recria com todos seus matizes, neste livro, a essência da vida das casas de tolerância.
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A partir de um episódio inicial do livro “Aventuras do Dr. Bogoloff”, do escritor Lima Barreto, Dante Mendonça retoma o drama de uma jovem que sai da Ucrânia e cruza o Oceano Atlântico com um destino traçado: o inferno da prostituição em Buenos Aires, sob as garras do império criminoso chamado Zwi Migdal.
Ao fazer escala no Rio de Janeiro, no entanto, o russo Bogoloff faz a garotamudar o seu próprio destino e os agentes da Imigração, considerando a sua origem, a encaminham para a mais ucraniana das terras paranaenses, Prudentópolis, no centro do estado. Depois de alguns anos na roça e abandonada pelo companheiro de viagem, ela decide partir para Curitiba, em busca de um novo rumo.
A primeira porta aberta que encontra é a de um decadente bordel na rua do quartel. É justamente neste ambiente de penumbras, achincalhes e sussuros malcontidos que nasce Maria Batalhão. As agruras da vida perdida forjam, com o passar dos anos, uma mulher de espírito forte, sorrateira e negocista, que se torna a rainha dos prazeres da carne para soldados, poderosos e todo o tipo de tarado e solitário.
Na linha do tempo de um século de prostíbulos, no Brasil, a cafetina decide registrar a má vida de bordel. Seus relatos – um tanto inventados, um tanto exagerados, não há como estipular a fronteira entre a realidade e a ficção destas memórias – se entrecruzam com episódios históricos, pitorescos e chocantes. Ao tempo em que sua própria história se confunde com a história de Curitiba, Maria Batalhão revive os hábitos e costumes daquela gente “contida” e “fria”, mas que, debaixo dos lençóis…, ah!, mudava totalmente de figura.
As casas “da vida” de Curitiba, os granfinos urbanos, os coronéis das fazendas, as mulheres mais desejadas, as que viraram respeitáveis senhoras e mães de família, os clientes e suas preferências, os desvios, alguns escândalos, os temidos dossiês – tudo passa pelas memórias de Maria Batalhão! Com emoção e desfaçatez, às vezes com ternura, os episódios são sempre contados com belaspitadas de humor, como a incrível história do General Picasso, o pintor quedesbundava pelos bordeis e escandalizou Curitiba, no período do Golpe Militar de 1964.
A partir deste surpreendente submundo curitibano, encerrado em quatro paredes, Dante Mendonça mostra outras facetas de seus zelosos habitantes. E recria, numa linguagem concisa e elegante, mas quando necessário, muito ferina, uma breve mas muito rica história da vida dos prostíbulos, no Brasil.