Simplesmente Noite!
Ao aproximar-se “Aquela” noite, vou pensar no zero dos séculos. É uma magia, irresistível, duradoura, contagiante e transversal a toda a minha existência. Nessa noite vou ser criança. Vou esquecer que os anos passam e vou sentir que ainda tenho pais e todos os meus irmãos. Vou mesmo ignorar que este 2012 me trouxe esta imobilidade que me dói e tortura, obrigando-me a um sorriso que sabe a lágrima contida como chuva de inverno que ninguém deseja!
Nessa noite, o tempo é zero, porque as recordações não se contabilizam. Nessa noite não vou fazer nada para ser feliz. Vou fazer tudo, porque sou feliz. Sou feliz, porque ultrapasso esta sociedade que parece afogar tudo e todos. Esta vida que não me deixa tempo para aquilo que eu gosto e que fica sempre dentro da caixinha das surpresas que nunca chego a abrir. Durante o ano, faço o que posso para ser feliz. Nessa noite, tudo acontecerá,…porque sou feliz.
Feliz, porque um Menino nos foi dado. Feliz porque faço parte desta civilização que nos caminhos da guerra faz encontros de paz. Feliz, porque, como dizia João Paulo II vivo a aurora de um mundo novo.
Sinto que há um farol diferente, como se fosse o último que encontramos em longa viagem, a anunciar um sossego diferente e duradouro. Sombras que dão relevo à luz…pausas que conferem ritmo e vida à música.
Sim, porque eu acredito na música e no compasso da vida. Creio nos tempos e nos ritmos, nos adaggios e nos andantes e em tudo o que possa ser considerado como forma diferente de ver a vida. Forma diferente, porque lágrimas de gente que sorri “são os mais lindos enganos que neste mundo já vi”.
Nessa noite vou viver um engano – e tantos tenho vivido, meu Deus – … simplesmente que este é um engano diferente e é um engano que eu mesmo quis, porque sei que comigo estão muitos que sorriem com lágrimas e regam com alegria o pranto da saudade que queriam que corresse neste rio de recordações.
O Natal é um ninho no coração de cada pessoa. O calor está lá, mas nunca se sabe o que escapa. Esta noite, tudo se volta para a magia do coração que regressa ao ninho. Eles são os nossos que partiram mundo fora, à procura de melhor sorte. Eles são os que aqui chegam deixando longe outros mundos e outras gentes…também à procura de melhor sorte. E somos distância feita tempo, nos que partiram e nos que vieram, nos que agora nos visitam para matar saudades e nos que nos deixam para saudades matar.
Nessa noite vou sentir a solidão do ninho vazio. Natal diferente…Pais que nos esperavam e que hoje “esperam” noutro local…Filhos que esperávamos e que hoje têm ninhos diferentes.
Mas sou feliz, porque as aves nunca fazem ninho no mesmo lugar e porque o sentimento de solidão é sinal de outros voos, novos e diferentes. Nenhuma ave fica infeliz quando o passarinho voa do ninho. Por isso, esta noite, mesmo com a mesa mais vazia, eu quero ser feliz. Quero pensar no zero dos séculos, porque sou átomo de tempo e fragmento de lugar.
Essa noite tem sentido diferente. É a noite do sentido único. Caminhar, avançar, esquecer o passada e evitar cruzamentos. Porque um Menino nos foi dado e a um Menino destes nada se nega, mesmo que o caminho em frente seja fora da auto-estrada da vida; mesmo que signifique subida íngreme de ausência e solidão. Com um Menino como o que se espera nessa noite que está a chegar, todo o peso se torna leve, mesmo que seja a última noite da caminhada desta vida.
Por isso vou ser…e vamos ser felizes!
Porque somos… e só sendo se dá valor ao que se tem (e ao que não se tem)!
Bom Natal… Com Menino!
Santos Narciso
(*) Jornalista José Manuel Santos Narciso, diretor-adjunto do Correio dos Açores e Atlântico Expresso de Ponta Delgada,Açores (Portugal).Colaborador do Blog Comunidades.
O artigo acima foi publicado pela primeira vez no Jornal Correio dos Açores,Dezembro de 2012 e cedido,gentilmente, pelo Autor ao Blog Comunidades.