V – Última mesa: “do que podia ter sido restam ruínas”.
As Ruínas e as diferentes perspetivas de as interpretar dominaram a última mesa do Correntes d’Escritas, com o Auditório Municipal a abarrotar, na tarde deste Sábado. Tudo porque os escritores interpretaram o mote da autoria de Manuel António Pina: “do que podia ter sido restam ruínas”.
Ana Luísa Amaral, António Victorino d’ Almeida, Susana Fortes, Onésimo Teotónio de Almeida, Vasco Graça Moura e Domingo Villar deram o seu ângulo das ruínas, moderados por Maria Flor Pedroso.
Ana Luísa Amaral começou por considerar as Correntes d’Escritas “um fenómeno único em Portugal” e abordou o mote da mesa com uma viagem por obras literárias, ancorando nalgumas palavras de Jorge de Sena, Maria Teresa Horta, Elliot ou Goethe. Para Ana Luísa Amaral, o tema relacionado com ruínas está presente ao longo de várias épocas da História.
Domingo Villar, guionista de TV e Cinema,considerou o Correntes d’Escritas “fenómeno único em toda a Ibéria sonhada por Saramago”. O autor espanhol associou as ruínas ao ser humano, pessoas mais velhas, em final de vida, como o seu pai, produtor de vinho Alvarinho, “possuidor de uma sensibilidade poética e literária descomunal”. Aos 87 anos é débil, mas continua a fazer Domingo e seus irmãos sentirem-se “seguros, só por estar por perto com o seu sorriso”.
Domingo Villar lembrou que, na Antiguidade, eram os velhos os conselheiros, era a eles que a sociedade recorria, sendo que “em Roma tinham um poder quase tirânico”. Assim, Domingo Villar advoga que a História irá “condenar-nos”, já que nos séculos XX e XXI “remetemos os velhos para lares e para o silêncio”. A Humanidade esqueceu-se que “os velhos, estas aparentes ruínas, são os depositários da sabedoria”.
António Victorino de Almeida defendeu que as ruínas são um “conceito muito positivo”. Para o maestro as ruínas são “aquilo que resta do que passou ou morreu, o que quer dizer que foi algo que existiu ou viveu, e que nos diz qualquer coisa”. Porém, fez questão de distinguir que considera ruínas muito diferentes de escombros, algo que, “infelizmente, existe em Portugal”.
Susana Fortes concordou com o maestro e defendeu as ruínas ao contrário dos escombros. Mas, acima de tudo, a escritora entende que ruínas são um conceito muito ligado à Arte, particularmente à Literatura, “que não existe sem esta noção, de resto, sempre houve um fascínio pelas ruínas por parte dos escritores desde o Renascimento”, explicou. “A ruína é a Arte, o mistério, o sonho, a poesia, enigma”, declarou Susana Fortes, que entende que o que se passa em termos de crise e fracasso económico não passa de “escombros”.
Vasco Graça Moura foi considerado o mais erudito dos interventores na mesa ou não estivesse a comemorar este ano 50 anos de vida literária. O escritor considerou curioso um verso dar origem a diferentes interpretações, como sucedeu nesta mesa de escritores. Mas as “variaçōes” sobre o tema não se ficaram por aqui, tendo o autor feito uma viagem por diversos escritores, poetas e compositores ao longo dos séculos.
Onésimo Teotónio de Almeida encerrou as intervenções da tarde avisando desde logo que não gostava deste tema “para o fim das Correntes d’Escritas, pois pode parecer um pouco fúnebre para um acontecimento que queremos que continue, o país talvez se arruíne, mas salvem-se as Correntes”. Ainda sobre a associação do termo à crise em que o país se encontra, Onésimo considerou que já faz parte das caraterísticas do país, “Portugal sempre esteve em ruínas, nasceu assim e permaneceu, a crise é antiga e continua igual, só os impostos é que mudam, porque aumentam!” A propósito, o autor açoriano citou Woody Allen que diz “há duas coisas certas na vida: a morte e os impostos”.
Sessão de Encerramento do Correntes d’Escritas 2013.
A Luís Diamantino, Vereador da Cultura da Póvoa de Varzim, coube, em todas as edições, a tarefa de dizer “até para o ano”, na Sessão de Encerramento do Correntes d’Escritas que ocorreu neste Sábado,23 de fevereiro de 2013.
É verdade…terminou, a expedição pelo mundo das letras que, durante três dias, conduziu, pelos mais variados e inebriantes itinerários, um público apaixonado. Um reencontro que, pelo 14º ano consecutivo, reuniu, na Póvoa de Varzim, a família Correntes d’Escritas com elementos vindos um pouco de todo o país e de fora dele.
A cumplicidade que carateriza o Encontro levou Luís Diamantino, Vereador do Pelouro da Cultura, a reconhecer que “devo ser o único Vereador do país que trato os escritores todos por tu, exceto dois, que são o Professor e o Maestro”, Eduardo Lourenço e António Victorino D’Almeida, respetivamente.
Foram perto de sessenta os escritores participantes nesta edição, protagonistas das sete mesas de debate que, a partir de um verso geraram vários momentos de manifesto perante a atualidade que vivemos.
E não fosse o Correntes d’Escritas um Encontro de Escritores, aqueles que dominam a palavra, e não deixaram de a usar para exprimirem a sua insatisfação e revolta face ao atual estado político, social e cultural do país.
Na Sessão de Abertura, Helder Macedo referiu-se ao desinvestimento cultural de que o país tem sido alvo, demonstrando a falta de reconhecimento pelo valor e trabalho de muitos, escritores, músicos, artistas, compositores, atores, pintores, entre outros.
Este aspeto também foi referido por Hélia Correia, Vencedora do Prémio Literário Casino da Póvoa, na Sessão de Encerramento, que fez um grande louvor ao Correntes d’Escritas, “uma festa contínua da palavra”, que deve ser tomado como exemplo, e, por isso mesmo, terá de continuar, “não vai poder absolutamente acabar” e, se para isso “for preciso fazer-se a revolução aqui, faz-se”.
Vergílio Alberto Vieira justificou a sua presença na 14ª edição do Correntes d’Escritas explicando que tinha decidido retirar-se mas estava a participar por entender que era uma cobardia retirar-se numa altura em que todas as vozes são poucas para se fazerem ouvir neste país.
Cristina Carvalho disse que “parece incompreensível e inatacável esta situação que agora vivemos, desgraça a todos os níveis”. E por achar que “neste momento todas as ocasiões são insuficientes”, aproveitou a ocasião para “expressar a minha mais profunda indignação, revolta e impotência pelo nosso futuro, pelo futuro da juventude de Portugal que se apresenta muito escuro e desanimável. Nunca pensei vivermos numa situação destas numa Europa que sempre sonhei já que nasci europeia”.
Rui Zink assumiu que ele próprio procura escrever e entrosar-se com o que se passa à sua volta e ser um bom cidadão, defendendo que “o nosso dever é ler e escrever com os olhos bem abertos”. Mas o melhor momento foi quando exigiu que a plateia o ‘grandolizasse’, até porque ele é “doutorado e o ministro Relvas tem uma licenciatura, portanto se ele teve direito, porque é que eu não tenho? Venha daí essa ‘Grândola’, vá!” A plateia do Auditório levantou-se e cantou a bons pulmões a canção da autoria de Zeca Afonso.
Estes são só alguns dos exemplos que, durante o evento, deram voz aos sentimentos dos participantes.
E sobre a viagem Correntes d’Escritas, que todos pretendem repetir, Luís Diamantino referiu que, “neste momento, está em velocidade de cruzeiro, diria quase que já foi ligado o pilo
to automático”. Prova disso é que “temos cada vez mais público, temos cada vez mais dificuldade em acomodar o público, sendo que a maior parte dele está sem qualquer tipo de conforto porque o espaço não comporta toda a gente que nos procura e também não gostaríamos de limitar a presença do público”.
E, neste sentido, “entendemos que, no próximo ano, o grande desenvolvimento e crescimento em número de pessoas presentes será com a abertura do Cine-Teatro Garrett. Estamos a contar que, no próximo ano, a Câmara Municipal tenha o Cine-Teatro Garrett pronto para receber o Correntes d’Escritas, um espaço confortável que concentrará tudo. Portanto, penso que isso será um passo muito bom no que diz respeito a aumentarmos ainda mais o impacto em número de pessoas que estarão presentes”.
Luís Diamantino fez também notar que “os escritores já absorveram este espaço como seu, portanto identificam-se com o Correntes d’Escritas porque ele é feito de pessoas para pessoas, ou seja, o Correntes existe porque existe o livro, sendo que ele é a estrela do evento”.
Lembrando, uma vez mais, o principal objetivo do Correntes d’Escritas atestou: “queremos promover o livro e a leitura e, por isso, é que não abdicamos de ir às escolas e de receber aqui escolas de outros concelhos, não abdicamos de ter prémios para crianças e jovens. É semear para colher mais tarde e penso que esta sementeira deu resultado porque temos, nestes 14 anos, mais público jovem, que está interessado”.
E sobre esta presença juvenil e contrariando a ideia generalizada de que os jovens não leem, Luís Diamantino está convencido que “lê-se e publica-se cada vez mais. Penso que se lê bastante em Portugal”. E a propósito contou que, numa visita a uma escola a acompanhar o encontro de escritores com alunos, disse que “quando somos jovens devemos ler, não importa o quê, devemos ler. Temos tempo e podemos ler tudo o que nos aparece. Agora, quando já temos uma idade mais avançada, não temos tempo a perder com o que não tem qualidade e por isso devemos ler somente o que nos dá imenso prazer e tem qualidade para nós, devemos selecionar”.
O Vereador da Cultura e Educação considera que temos que “acreditar que Portugal tem futuro e o futuro é através da educação e da cultura. Não há melhor para promover turisticamente uma cidade, região ou país do que a cultura”.
O Correntes d’Escritas é um exemplo deste investimento cultural, assinalou o autarca, constatando que “é por isso que todas as pessoas que vêm até à Póvoa, os leitores, os ouvintes, os expectadores, os escritores, os editores, ficam sempre extasiados com o número de pessoas que aqui estão para ouvir falar de poesia, de literatura, de livros, isto é único em Portugal. É, como dizem, o maior evento literário em Portugal”. É isto que promove a nossa cidade e região dentro e fora do país, o que nos dá muito orgulho e nos envaidece bastante pelo que temos feito em prol da cultura em Portugal.
E a este propósito, Luís Diamantino confidenciou que “no dia em que sair da Câmara Municipal, posso dizer que orgulho-me do trabalho realizado por toda a equipa, todos os que fizeram parte dos diferentes mandatos de José Macedo Vieira”, revelando que o escritor angolano Manuel Rui tinha proposto fazerem uma homenagem ao Presidente da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim por ter mantido vivo um evento desta envergadura ao longo de 14 anos. Este reconhecimento também deixou o Vereador feliz porque além do Correntes d’Escritas muito tem sido feito, nos últimos anos, em, prol da cultura no nosso concelho.
E na esperança de que o Correntes d’Escritas não perderá a sua força e continuará a ultrapassar todas as dificuldades, para o ano cá estaremos, num novo espaço mas com a mesma vontade.