Mundo Novo dos Ilhéus Açorianos
– Relato dos viajantes do século XVIII e XIX –
Lélia Pereira da Silva Nunes
Florianópolis celebrou 287 anos de emancipação política, de elevação à categoria de Vila e da constituição da primeira Câmara de Vereadores a 23 de Março de 1726. A idade real de “Floripa” é uma incógnita e motivo de controvérsias históricas. No entanto, é consenso que a sua fundação deve-se ao bandeirante paulista Francisco Dias Velho em 1673 (ou 1675?). e o nome da Ilha de Santa Catarina ao navegador italiano Sebastián Caboto em 1526.
Festejar 287 anos de “Vila” ou 340 anos de “Fundação da Póvoa” não faz a menor diferença para a linda Florianópolis de hoje, orgulho dos florianopolitanos e fascínio dos visitantes seduzidos na volúpia da sua paisagem e do seu espaço urbano a namorar o mar em rosados entardecer ou em exageradas manhãs ensolaradas de outono a inundar com luz e cor como pinceladas de impressionismo frescor de Claude Monet.
Cidade-Ilha que, no cenário do passado, serviu de porto seguro às expedições do século XVI que cruzaram o Atlântico Sul rumo ao Rio da Prata ou ao Estreito de Magalhães, deu boas vindas aos ilhéus açorianos no século XVIII e abriu suas portas no XIX à imigrantes de muitas etnias.
Mais de duas dezenas de viajantes estrangeiros se aventuraram pelas águas do Sul do Brasil, entre os séculos XVIII e XIX, deitaram o olhar sobre a paisagem e a vida social e cultural dos habitantes e deixaram anotadas a sua impressão na arte pictórica e na escrita – a Literatura alienígena e a colorida iconografia – irrefutáveis registros documentais. Afinal, como era este Mundo Novo dos ilhéus açorianos? O que escreveram os nossos visitantes antes e depois da sua chegada na Ilha de Santa Catarina?
Três décadas antes da chegada dos Ilhéus, o francês Amédée F. Frézier, (1682-1773) em “Relation Du Voyage de La Mer Du Sud aux cótes Du Chily et Du Perou, Fait pendant lês anées 1712,1713 &1714, publicada em 1716, relata a sua estadia na Ilha de Santa Catarina em 1712. Desenha um mapa da Ilha, descreve a vegetação e fala da vida primitiva dos 147 brancos, alguns índios e negros libertos. Viviam na maior ignorância, abandono social e religioso.
O inglês George Anson (1698-1762), chega a Ilha em 1740. Faz um clássico relato de circunavegação – A voyage round the world in the years MDCCCXL,I,II,III,IV. Tece duras críticas aos excessos de autoridade Governador Silva Paes. Enfatiza Anson: “para justificar sua conduta pretextava a necessidade de guardar víveres para mais de cem famílias portuguesas que deveriam chegar em pouco para reforçar sua Colônia.” (Gerlach,G: 2010:47). Reforça a convicção de total abandono de Desterro. O povoamento de Santa Catarina só acontece com a chegada dos açorianos e alguns madeirenses,entre 1748 e 1756. Muitos do que abandonaram as Ilhas rumo ao Mundo Novo, viram seus sonhos serem sepultados nas águas do Atlântico.Coube ao Governador Manuel Escudeiro assegurar que os colonos tivessem o prometido: instrumentos de trabalho, animais e um quarto de légua em quadro – a medida de terra, a medida da dignidade dos ilhéus açorianos.
A palavra dos viajantes que passaram pela Ilha a partir de 1760, adentrando o primeiro quartel do séc.XIX, revela um animador desenvolvimento de Desterro, seja em deliciosas crônicas ou em belas iconografias da Ilha.
Antoine Joseph Pernetty (1716-1801),naturalista francês, publica suas pesquisas em 1769 sob o título: “Histoire d’un Voyage aux Isles Malouines, fait en 1763 &1764; avec Des Observations sur Le Detroit de Magellan,et sur Les Patagons”. Uma escrita minuciosa sobre o cotidiano, dos habitantes, costumes e administração de Desterro. Traça a cartografia de Santa Catarina e desenhos da fauna e flora.
A passagem e estadia da expedição de Jean-François Galup De Pérouse em 1785 (1741-1788), está na obra “Voyage de Lá Pérouse Autor du Monde”, publicada em 1791.La Pérouse descreve a Vila de Desterro, costumes, produtividade do solo, trabalho escravo e a caça da baleia do qual a população não passa de mero espectador já que a atividade pertence a Coroa Portuguesa, arrendada a uma empresa de Lisboa que explora três grandes armações de baleias (400 baleias/ano). Seu relato faz especial referência a hospitalidade e a índole do povo “(…) seus costumes são delicados; eles são bons, polidos, serviçais, mas superticiosos e ciumentos de suas mulheres,as quais jamais aparecem em público.”
Enamorado por esta “ilha-mulher” o navegador suíço-alemão Carl Friederich Gustav Seidler, que aqui aportou 24 vezes, entre 1823 e 1827, deixou uma crônica admirável. Sua pena desenha na aquarela das palavras a formosura da ilha e completamente seduzido extravasa sua paixão: “que eu hoje desejasse que amanhecesse algumas horas mais cedo para que, quanto antes melhor, se me abrisse esse fabuloso paraíso do novo mundo. Não tive mais sono; impaciente como um amante cheio de saudade ou como um enfermo febricitante, esperei no convés pelo raiar do dia.”(ALESC:1979:299).
Do Mundo Novo, que os açorianos conquistaram e fizeram dele o seu “chão,” muito mais poderia ser dito a partir dos relatos dos viajantes estrangeiros, como a crônica de viagem de Charles S.Stewart, navegante inglês, que visitou Desterro entre 1852 e 1853. Exatamente 100 anos após a chegada da última leva dos ilhéus açorianos. Na obra “Brasil and la Plata”,(N.York,1853), Stewart se surpreende com o requinte das Festas do Divino Espírito Santo e a coroação do Menino Imperador na vila de Desterro.
São os caminhos do Divino abertos no distante século XVIII e que avançam no XXI. Uma açorianidade temperada com jeito maneiro de ser do ilhéu catarinense.