(CABRAL, Alegria, 2013)
Mário T Cabral, 2013
39. MEDITAÇÕES
g) Deus ri
O sentido de humor é uma das características de Deus que não é reconhecida com a frequência desejada; no entanto, a Bíblia está carregada de histórias divertidas, em especial o AT.
Sara ri-se de lhe ser prometido um filho, quando vai para lá dos noventa. O filho chama-se Isaac, que quer dizer: “Deus ri”. É como se Deus dissesse: “Quem ri em último ri melhor”.
A negociação de Abraão a respeito dos habitantes de Sodoma e Gomorra também é assaz divertida: e se houver apenas 45? E se houver apenas 40? E se houver apenas 30? …E se houver apenas 10?
E há a história de Noé e a de Jonas, o profeta mais trapalhão que imaginar se possa; e a de Esaú, que troca os direitos de filho mais velho por um prato de lentilhas! E pôr os ricos num escorrega, como faz o salmista, é de gritos!
Mas talvez o episódio mais cómico de todos seja o da construção da torre de Babel, onde fica demonstrado o conhecimento profundo que Deus tem da nossa alma, ao baralhar as línguas: “Cada cabeça, cada sentença”; e adeus Céu!
Deus-Filho é mais circunspecto, embora aquele episódio da viúva que tanto aborrece o juiz que ele acaba por fazer-lhe a vontade seja muito ao estilo de seu Pai. E assustar os amigos andando sobre as águas é de partir!
Quanto ao Espírito-Santo, a Graça faz parte da sua definição. Esta palavra vale um tratado, pelo menos na língua portuguesa. Nenhum sentido é de excluir no que aqui diz respeito.
Houve uma interpretação medieval que declarava que Deus tinha criado o mundo a rir. Em O Nome da Rosa, Umberto Eco explora o poder subversivo do riso, a partir da suposta comédia de Aristóteles.
Há rir e rir. O Demónio pode rir muito mas não tem graça nenhum. Faz troça, é cínico e escarnento; rir assim é mais corrosivo do que soda cáustica.
Deus ri de alegria e o seu riso não mata. É difícil imaginar um deus triste e criador, ao mesmo tempo. A tristeza encolhe-se, não é criativa, ao contrário da alegria.
Toda a Criação traz esta marca do seu Autor, em especial os animais, todos brincalhões, quando bebés, e alguns até morrer, como cães e golfinhos.
É muito importante que o crente conheça esta característica do Senhor, pois muitas vezes Deus corrige neste estilo folgazão – não vá o tolo tomar a peito! Às vezes Deus responde rigorosamente ao contrário daquilo que lhe pedimos, como a dizer: “Sabes lá o que queres!”
Nada de dramas! Um santo triste é um triste santo. Olhemos em redor: as aves cantam, os bichos divertem-se – porque haveremos nós de chorar, se até os cabelos temos contados?
Mário Cabral Natural da Terceira, Açores é professor no liceu de Angra. É Doutor em Filosofia Portuguesa Contemporânea, pela Universidade de Lisboa, com Via Sapientiae – Da Filosofia à Santidade, ensaio publicado pela Imprensa Nacional – Casa da Moeda (2008). Para além do ensaio, publica poesia e romance. O seu último livro de ficção (O Acidente, Porto: Campo das Letras) ganhou o prémio John dos Passos para o melhor romance publicado em Portugal em 2007. Está traduzido em inglês, castelhano e letão. Também é pintor.